Ângela e eu chegamos de Porto Alegre.
Celebramos, com tantos outros familiares, 80 anos do tio João Batista, o irmão
mais novo de meu pai Geraldo, que foi o irmão mais velho dessa geração dos
Fonteles.
Várias gerações encontraram-se em
Porto Alegre, que se fez, realmente, porto de chegada e alegre no encontro de
tantas e tantos, vindos de lugares diversos.
A família é bem isso, como
corretamente realça a Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, a Gaudium et Spes: “lugar de encontro de
várias gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais
plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida
social” ( leia-se: Gaudium et Spes nº
52, § 2º ).
Sim, lugar de encontro, de acolhida, de ajuda e de aprendizado.
A mulher e o homem, em família a mãe
e o pai, que geram a vida, presente na filha, no filho, ou em ambos, naturais
ou adotivos, porque a geração não só se consuma no ato biológico, sagrado, da
união do corpo e da alma da mulher e do homem, mas também se perfaz no ato de
doação, sagrado, da mulher e do homem, expresso no adotar quem abandonado fora.
Somos seres relacionais, porque somos
chamados ao amor.
A mulher e o homem, porque filhos do
Deus-Amor, que os criou por amor, não existem para a solidão, mas para a
comunhão.
Ninguém guarda o amor para si. O
amor, necessariamente, é expansão, faz com que saiamos de nós mesmos e
experimentemos o êxtase, que é o feliz sentimento de romper e abandonar o eu
encarcerado no egocentrismo para que nos unamos, para que nos doemos ao outro -
o alter-, ao que é diferente de nós
mesmos.
Quem não é tomado de terna e profunda
alegria ao admirar o abandono do bebê no regaço materno; ao admirar a euforia
do pai erguendo em seus braços a filha, ou o filho; ao admirar o casal, já
ancião, caminhando, mãos dadas, mais um dentre tantos caminhos percorridos; ao
admirar a mulher e o homem que, nas tribulações do cotidiano, perseveram e, na
surpresa do inesperado, expressam em gestos, em atos e, por vezes, mesmo no
calar, o profundo significado do: eu te
amo.
Vou lhes oferecer, leitoras e
leitores, trecho de reflexão que o padre Gustave Desjardins – meu pai
espiritual – deixou-nos, por escrito, justo sobre a família:
“A família não é somente a base da sociedade, senão o
fundamento da religião. Nas épocas em que a família se desintegra, e não foi só
agora, a religião entra em crise. A família é o termômetro da religião, e
vice-versa. Quando a família tosse e está com calafrio, vai ver que sua religião
está com febre, e vice-versa. Os sacerdotes mais importantes são vocês, pais e
mães de família, não os que estão nas igrejas.” (leia-se: Homilias do Padre
Gustave Desjardins – vol. 1 – pg. 166 ).
Nos dias de hoje,
estamos tão desorientados que a religião é travestida. Com efeito, há os que em
seu nome, covarde e brutalmente, assassinam; há os que também se dão ao direito
de grosseiramente menoscabar o sentimento religioso dos demais.
Ora, todos quantos
professam determinada religião, fazem-no porque não se consideram bastantes em
si mesmos. Almejam religar-se ao Deus, que os criou, e os criou, por amor,
reafirmo, tanto que não os abandonou, fazendo-se um de nós – Jesus, o Cristo –
para os cristãos; ou falando pelos Profetas aos Povos do Livro – Alcorão e Torá
-, como o fizeram Maomé e Isaias, respectivamente para nossas irmãs e nossos
irmãos muçulmanos, e para nossas irmãs e nossos irmãos judeus.
Não há o Deus da morte,
assim como não se pode ridicularizar, menoscabar, o Deus de quem quer que seja.
Todavia, a conduta grosseira, de menoscabo, contra o sentimento religioso da
pessoa não legitima o assassinato de quem assim se conduziu, mas o seu
processamento criminal e cível pelo claro e ilegal abuso no direito de
manifestar sua opinião, ou informação. E todo aquele que abusa do direito que
tem, pelo abuso perde-o e, portanto, deve ser judicialmente punido.
Há poucos dias atrás,
mais precisamente no dia 22 de dezembro de 2014, o Papa Francisco, falando para
a Cúria romana, e relevando, à semelhança dos Padres do deserto que redigiram o
“catálogo das doenças” a serem combatidas, o que chamou de “doenças curiais”,
assim apresentou a primeira “doença”:
“1. A doença de sentir-se imortal, imune, ou mesmo indispensável,
descuidando os controles habitualmente necessários. Uma Cúria que não se
auto-critica, não se atualiza, nem procura melhorar é um corpo enfermo. Uma
normal visita ao cemitério poder-nos-ia ajudar a ver os nomes de tantas
pessoas, algumas das quais talvez pensassem que eram imortais, imunes e indispensáveis.
É a doença do rico insensato do Evangelho, que pensava viver eternamente ( cf.
Lc 12, 13-21) e também daqueles que se
transformam em patrões, sentindo-se superiores a todos e não ao serviço de
todos.Tal doença deriva muitas vezes da patologia do poder, do complexo dos Eleitos, do narcisismo que
se apaixona pela própria imagem e não vê a imagem de Deus gravada no rosto dos
outros, especialmente dos mais frágeis e necessitados. O antídoto para esta
epidemia é a graça de nos sentirmos pecadores e dizer com todo o coração:Somos servos inúteis; fizemos o que
devíamos fazer (Lc 17, 10). ( leia-se a íntegra do Discurso em www.vatican.va – grifos do
original ).