quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

CARNAVAL - QUARESMA

Tantas e tantos opõem carnaval à quaresma.                            
Eu não penso assim.
Essa dualidade em contraste, em dicotomia irredutível, é herança, presente e forte até hoje, da concepção platônica, que ensejou e motivou tantas outras concepções, no mesmo sentido fundante, que contrapõe corpo e espírito, mais das vezes satanizando o corpo.
O corpo é divino.
Assim não fosse, e Deus não se teria dele valido – “e o Verbo se fez carne” – para, corporalmente, se revelar e se comunicar a nós, suas filhas e seus filhos, por Ele tão amados, por isso que habitou entre nós, assumindo nossa condição humana: não nos deixou na solidão, nos consagrou em dignidade.
A complementaridade, só possível na heterogeneidade do corpo feminino e do corpo masculino, é o princípio da vida, síntese do encontro da mulher e do homem, no que deve ser a totalidade de cada um para a livre e consciente união conjugal: a entrega-doação.
Por isso, a celebração do carnaval na alegria espontânea, cordial (=  de coração ), fraterna é alegria saudável.
Lamentavelmente, o que é para ser carnaval, alegria espontânea, cordial (= de coração), fraterna, em tantas e tantas situações descamba para o agressivo, o grosseiro, o desrespeitoso, o aviltamento do próprio corpo, assumido como mercadoria exposta para o consumo fugaz.
Eis porque o corpo não pode ser absolutizado.
É limitado e a certeza de seu próprio limite é o fato, inexorável, da morte corporal: “tu és pó e ao pó tornarás”.
Vem-nos, então, em festejo seguinte: a quaresma.
A quaresma não como condenação do carnaval, não como expiação corporal.
A quaresma como abertura e vivência para o espírito, que somos.
Mulheres e homens somos os únicos seres capazes de Deus porque somos os únicos seres capazes de transcender, ou seja, de nos “movimentarmos para o alto” (= trans ascendere ), vale dizer: de sairmos de nós mesmos para a vida em comunhão fraterna, em missionariedade orante, não simplesmente militante, em discipulado que busca caminhar sempre como Jesus caminhou, apesar das limitações e fadigas de cada um de nós. Não desistir; persistir e caminhar sempre.
A quaresma é pausa necessária – jejum (= o conhecimento profundo de si mesmo); esmola (= solidariedade concreta e permanente com todos os que de solidariedade precisam); e oração (= diálogo, com ou sem fórmulas, com Deus) – sem a qual, certamente, no caminho nos perderíamos, ou dele desistiríamos.
Eis porque a quaresma não é simples período de tempo, posto no calendário, em sucessão ao carnaval.
A quaresma santifica o carnaval, sadiamente festejado, prolongando-o em outra dimensão.