quinta-feira, 16 de outubro de 2014

                                                                DEMOCRACIA

Votei em proposta, no 1º turno da eleição presidencial em curso, que de par com propor-se a acabar com o deturpado “presidencialismo de coalizão”, que há duas décadas vivemos, na alternância PSDB-PT, ostensivamente marcada pelo mercadejar de cargos e funções públicas, criadouro irresistível da corrupção sistemática, definia-se essa proposta no alterar a relação Estado-Sociedade e posicionava-se contra a reeleição aos cargos eletivos.
Assim, sairíamos, paulatinamente, da presença do Estado-provedor que, em si, tudo concentra, absolutiza-se, hipertrofia-se em todos os campos, para o Estado-motivador que, se tem por missão garantir a organicidade do corpo social, à Sociedade, por seus mais variados segmentos de representação, incentiva e estimula ao protagonismo de ações afirmativas na vivência cotidiana da democracia participativa e cidadania ativa.
Esse o grito inicial das ruas em junho de 2013, convenientemente deturpado no que se sucedeu, pela omissão interesseira de todos os grupos político-partidários representados no legislativo federal que, calados e ausentes, não se encorajaram a apresentar medidas reais, concretas, em resposta à movimentação popular acontecida. Optaram por, simplesmente, e em quadro de vazia retórica, mencionar, aqui e acolá, “o clamor das ruas”, que se desfez no extremismo inconsequente de vozes cada vez mais diminutas. Repito: tudo muito conveniente a todas essas agremiações partidárias, porque mantido a todas o adequado cenário do Estado-provedor, razão única de suas disputas político-partidárias: conquistar o Estado-provedor e exercer o poder pelo poder.
Ocorre-me, então, reproduzir argutas observações do Papa Francisco, no seu frutuoso diálogo com o igualmente preparado rabino Abraham Skorka, condensado no livro: “Sobre o Céu e a Terra”. Ei-las:
“O desprestígio do trabalho político precisa ser revertido, porque a política é uma forma mais elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para o bem comum. Nasci em 1936, tinha dez anos no surgimento de Perón, mas minha família materna é de raízes radicais. Meu avô materno era carpinteiro, e uma vez por semana um homem de barba ia lhe vender as anilinas. Ficavam um bom tempo conversando no quintal enquanto minha avó lhes servia uma caneca de chá com vinho. Um dia, minha avó me perguntou se eu sabia quem era seu Elpídio, o vendedor de anilinas. Tratava-se de Elpidio González, que havia sido vice-presidente da nação. A imagem desse ex-vice-presidente que ganhava a vida como vendedor ficou gravada em mim. É uma imagem de honestidade. Algo aconteceu com nossa política, ficou defasada em relação às idéias, às propostas. As idéias saíram das plataformas políticas para a estética. Hoje importa mais a imagem que o que se propõe. Já dizia Platão em “A República”: a retórica – que viria ser a estética – é para a política o que a cosmética é para a saúde. Saímos do essencial para o estético, endeusamos a estatística e o marketing.” ( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – pg. 115-116, grifei ).
Certamente, quem se dispuser a ler este artigo, agora sorri, e me tem por ingênuo, sonhador...
Mas se não nos dispusermos a fazer valer, a buscar realizar em palavras, atitudes e ações o que em nós há de mais profundo, descermos às nossas raízes para vivenciarmos coerentemente o ser fraterno e justo, não temos autoridade alguma para o posicionamento crítico das viciadas estruturas.
Retorno ao Papa Francisco e ao episódio posto no livro aqui já citado, e transcrevo, porque oportuníssimo, o seguinte trecho:
“Quando recebo políticos, alguns vêm bem, com boa intenção, compartilhando a visão da doutrina social da Igreja. Mas outros chegam interessados só em alianças políticas. Minha resposta é sempre a mesma: a segunda obrigação que eles têm é dialogar entre si. A primeira é serem os guardiões da soberania da nação, da pátria. O país é a dimensão geográfica e a nação, a constitucionalidade, ou o aspecto jurídico-legal que faz com que a sociabilidade seja viável. Um país ou uma nação podem decair em uma guerra ou ser mutilados e ser refeitos. Porém, a pátria é patrimônio dos pais, o que recebemos daqueles que a fundaram. São os valores que nos entregaram em custódia, mas não para que os guardemos em uma lata de conservas, e sim para que, com o desafio do presente, os façamos crescer e os lancemos à utopia do futuro. Se perdermos a pátria, não a recuperaremos: esse é o nosso patrimônio. Há duas imagens que me dizem muito sobre a pátria. Uma é bíblica quando Abrãao sai de sua terra, seguindo a caminho de Deus e leva o seu pai, que é um fabricante de imagens de culto. A outra imagem, mais ocidental, é quando Enéias, já queimada Tróia, sai para fundar Roma carregando seu pai nas costas. A pátria é por os pais nas costas.” ( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – pg. 117-118, grifei ).
O sentido da ancestralidade, digo eu, o movimento contínuo das gerações nutre-se, e revigorada faz-se a pátria, dos valores maiores que a perpassam, envolvendo-a, definindo-a no momento histórico presente.
E se se quer a definição do momento presente, ainda que, para mim, os que permaneceram no pleito não testemunham os propósitos que me conduziram à opção do 1º turno, devo  comparecer ao 2º turno e, dentre eles, considerar não “pelas estatísticas e marketing”, para reavivar o pensamento do Papa Francisco, mas pela vida pessoal e comunitária, pregressa e presente, de cada qual, quem tem a coragem de, rompendo os esquemas dessas duas décadas, migrar para “o amor social”.
Não me custa tentar.
A decepção, já experimentada, pela não escolha da opção que fiz, que se fez minoritária; e nova decepção pela não escolha, de novo minoritária; ou pela não coerência sobre quem recaiu a escolha, agora majoritária, essa decepção trato-a naturalmente, porque o que não se pode, jamais, permitir é que não se tenha escolha.