quarta-feira, 20 de agosto de 2014

IGREJA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ( I )

                

Pessoas diversas têm me solicitado assumir posicionamento sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, denominado: “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Esse Projeto vem patrocinado por inúmeras entidades da sociedade civil, inclusive pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, do que desponta, e de plano para os que me indagaram, prévia questão: deve a Igreja envolver-se em tal assunto? ou, em linguagem mais direta, deve a Igreja envolver-se com a política?
O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, com muita clareza, afirma, no Capítulo I, desse seu escrito, justamente chamado “A Transformação Missionária da Igreja”, e no tópico I, sintomaticamente intitulado: “Uma Igreja em saída”:
“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.” ( leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 20 – pg. 20 ).
E, tornando à fonte primacial – o Concílio Vaticano II – perfeitamente coloca o Papa Francisco:
“O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: Toda a renovação da Igreja consiste numa maior fidelidade à própria vocação... A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma.”  (leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 26 – pg. 25).
A referência, como feita ao Concílio Vaticano II, é exata.
A Gaudium et Spes – Alegria e Esperança -, “constituição pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo de hoje”, que condensa as diretrizes para o impostergável e perene diálogo Igreja – Mundo, no seu proêmio deixa por bem assente que o homem todo, em sua realidade integral, ocupa o centro da missão cristã. Diz o proêmio:
“1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.” ( leia-se: Gaudium et Spes – proêmio – nº 1 – pg. 6 ).
Eis porque, esse mesmo documento, em sua Introdução, afirma:
“4. Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura e da relação entre ambas.” (leia-se: Gaudium et Spes – introdução – nº 4 – pg. 9 ).
E a Gaudium et Spes abre todo um capítulo – o Capítulo IV – dedicado à “Vida da Comunidade Política”, e dele destaco, porque muito pertinente, o seguinte trecho:
“Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, e mais ainda com caridade e fortaleza políticas ao bem de todos.” ( leia-se: Gaudium et Spes - nº 75 – pg. 107/108 ).
Considero, até como culminância de toda essa linha de pensamento, que desenvolvo, precisos esses ensinamentos do padre Mario de França Miranda, presente no seu livro Igreja e Sociedade:
“Hoje já se reconhece que as religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a que são condenados os mais pobres, bem como as injustiças de políticas econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais fracos. São elas que, livres de um dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e prisioneira de uma racionalidade funcional, em busca de resultados, desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidade de cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo, sem as quais a ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos tecnocratas.” ( leia-se: Igreja e Sociedade – pg. 139/140 ).
Em conclusão: não vivem o ensinamento evangélico, antes o contrariam, cristãos católicos que tomam como guia a expressão: “A Igreja não deve se envolver com política”.
Portanto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – muito bem se conduz quando, na equilibrada ponderação dos temas fundamentais à construção da sociedade brasileira justa e solidária, por si mesma, ou se aliando a entidades diversas, ainda que, dentre essas, algumas em questões outras se distanciem de sua compreensão, propõe e incentiva os cristãos católicos do Brasil a, concretamente, engajarem-se na coleta de assinaturas à formulação de projetos de lei de iniciativa popular.
Passo, agora, ao Projeto “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Ele trata do sistema das eleições proporcionais; do financiamento das campanhas eleitorais e da forma de subscrição de eleitores a proposições de lei de iniciativa popular.
As eleições proporcionais passam a ocorrer em dois turnos. No primeiro, não se vota em pessoas, mas nos partidos, que obrigados estão a apresentar o conteúdo de seu programa e a lista fechada de candidatos. Isso, a meu juízo, é salutar, na medida em que promove a adesão do eleitor, não em função do protagonismo do candidato, mas da agremiação partidária e suas propostas, daí porque o Projeto, com coerência, deixa por bem assente que “o mandato pertence ao partido político”, e não ao eleito, deste modo extinguindo-se com o nefasto “troca-troca de partidos por parte de políticos inescrupulosos, perdendo o mandato “aquele que se desfiliar do partido  político para o qual foi eleito”.
No segundo turno, o partido então apresenta a relação dos candidatos, que constavam da lista preordenada, apresentada no primeiro turno, mas agora nela constando só os nomes dos que tenham se posicionado na numeração correspondente ao dobro das vagas conquistadas pelo partido no primeiro turno.
O Projeto torna obrigatória, na formação da lista preordenada, a observância “da alternância de sexo”, com o que, validamente, consagra-se a paridade de oportunidade mulher-homem nas candidaturas e, nas eleições primárias internas à formação da lista preordenada, é marcada a obrigatoriedade de acompanhamento de todo esse procedimento por servidor estável da Justiça Eleitoral, designado pelo Juiz eleitoral, abrindo-se o evento à presença do Ministério Público.
Este artigo já se faz longo para os meus padrões e estilo – busco ser conciso e objetivo no que escrevo – de modo que, e desejando a compreensão dos que o leem, desenvolvo-o e o concluo na próxima semana. 
  

                  

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

CONSTRUTORES DA PAZ E DO BEM

                        

Impossível não voltar a se perturbar, a se revoltar, com as cenas reproduzidas de corpos infantis dilacerados e mortos, com os gritos lancinantes de dor de tantos corações femininos, de esposas e mães, com os olhares, vazios e perdidos de anciãos, que em ciclo final da existência humana vagam porque tudo o que construíram foi-lhes tirado.
Deparo-me com as palavras do Papa Francisco na sua admirável Exortação Apostólica, “A Alegria do Evangelho”:
“49. Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa em um emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: Dai-lhes vós mesmos de comer. ( Mc. 6, 37)”. ( leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 49 – pg. 42/43).
Necessitamos já, com urgência, e cada vez mais universalizarmos o bem.
Universalizarmos o bem não é sair à cata de adeptos, ou fazer proselitismo, ou ditar as normas em que nos sistematizamos.
Universalizarmos o bem requer, de plano, o olhar completo para nós mesmos e, então, nos questionarmos: reduzo-me, exclusivamente, aos interesses pessoais do trabalho a conquistar e de posições a galgar, ou aos frutos do trabalho conquistado no deleite do tanto que agora posso ter? A mim, não me interessam questionamentos e posicionamentos comunitários, comprazendo-me, estritamente, com os “meus”: familiares e círculo de amizade onde gravito, ou que gravitam em torno a mim? Enclausuro-me nos meus “dogmas” e a quem quer que os contradiga, enfureço-me, sou capaz de agredi-lo, verbal e mesmo fisicamente, incapaz de oferecer-me em diálogo?
Talvez você, leitora e leitor que até aqui tenha tido a benevolência de ler o que estou a escrever, encerrará a leitura agora, quando lhe digo que se nós nos autorreferenciarmos, nos absolutizarmos, nos padronizarmos nos rituais do cotidiano, por esse modo nós alimentamos o estado de coisas, que motivou o primeiro parágrafo deste artigo.
Todos nós, vivendo, colocando concretamente em prática, os carismas - dons do Deus-Amor que não só Se entrega por nós, mas, graças aos carismas que Ele nos dá, assim nos capacita para a transformação do mundo em que estamos - pomo-nos em “estado permanente de missão” (Documento de Aparecida – nº 551), vale dizer: construtores somos da paz e do bem.