sábado, 13 de dezembro de 2014

CORRUPÇÃO

                                          
“Toda corrupção cresce e, ao mesmo tempo, se expressa em atmosfera de triunfalismo. O triunfalismo é o caldo de cultura ideal de atitudes corruptas, pois a experiência diz que essas atitudes dão bom resultado, e assim a pessoa se sente ganhadora, triunfa. O corrupto se confirma e ao mesmo tempo avança nesse ambiente triunfal. Tudo vai bem. E nesse respirar o bem, usufruir o vento em popa, reordenam-se e se rearranjam as situações em valorações errôneas.” ( pg. 31 – grifos do original ).
Inicio com essa transcrição, presente no opúsculo “Corrupção e pecado”, escrito pelo então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, aos 8 de dezembro de 2005, por ocasião de Assembléia Arquidiocesana.
Palavras verdadeiras.
É o processo que há mais de 50 anos o Brasil vem padecendo, entremeado, por mais de uma vez, de golpes sofridos na busca da formação e consolidação democrática de nosso País, golpes que, ironicamente, brandiram o combate à corrupção como sua impoluta bandeira.
Os tempos midiáticos de hoje ufanam-se em vendavais intermitentes. Necessitam de espetáculo fantástico, como “show da vida”. Seduzem personagens ao topo de seu ego e, então, inebriados pelo poder, pelo prazer e pelo possuir tais personagens assumem-se como inexpugnáveis, inatingíveis por deles emanar o padrão a ser seguido.
Torno ao Papa Francisco:
É justamente esse triunfalismo, nascido de sentir-se medida de todo juízo, que lhe dá vaidade para rebaixar os outros à sua medida triunfal. Explico: em um ambiente de corrupção, uma pessoa corrupta não deixa crescer em liberdade. O corrupto não conhece a fraternidade ou a amizade, só a cumplicidade. ( pg. 32 – grifos do original ).
O triunfalismo é o método mais eloquente de mascarar a verdade porque o triunfalismo não busca a verdade, vez que a reduz a objeto passível de manipulação.
O triunfalismo desperta e motiva a auto-suficiência, que não tolera questionamentos, que abdica do diálogo, alimentando-se de “slogans” preconcebidos e preconceituosos como que a tranquilizar a precariedade, por certo não as tem, de suas convicções. Prossigo com o Papa Francisco:
“O corrupto costuma se perseguir de maneira inconsciente, e é tal a raiva que lhe causa essa perseguição que a projeta nos outros, e, de autoperseguido, transforma-se em perseguidor. São Lucas mostra a fúria desses homens (cf. Lc 6,11) diante da verdade profética de Jesus: “Mas eles encheram-se de furor e indagavam uns aos outros o que fariam a Jesus”. Perseguem impondo um regime de terror a todos aqueles que o contradizem (cf. Jo 9,22) e se vingam expulsando-os da vida social (cf. Jo 9,34-35). Têm medo da luz porque sua alma adquiriu características de verme: vive nas trevas e debaixo da terra. O corrupto aparece no Evangelho jogando com a verdade.” ( pg. 10 ).
A violência pessoal, coletiva, ou institucionalizada é, também, manifestação do ser corrupto.
No entanto, avizinha-se o solstício de verão em nosso hemisfério: o dia 25 de dezembro expressa-o.
O que era trevas, fez-se luz. E a luz veio habitar entre nós para nos convidar a sermos: filhos da luz, como se exprimia o evangelista João, que com Jesus conviveu, intensamente.
Para mim, esse o sentido forte do Natal: a possibilidade de, apesar dos pesares, ser luz e então: reunir a família nas gerações presentes, e orar; orar e ampliar a oração a que envolva amigos e tantos outros mais, para que, de verdade, se possa celebrar a presença de Jesus em nós, para que sejamos melhores na vivência da paz e do bem; portanto, esperando contra toda a esperança e tornar concreta, real, a esperança porque, como aprendo com o Papa Francisco:
“O corrupto não tem esperança. O pecador espera o perdão; o corrupto, no entanto, não porque não se sente em pecado: triunfou.” ( pg. 32 ).
Eis porque lhes desejo: Feliz Natal, pleno de esperança.






sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SOLIDARIEDADE

                                    
O jornal católico “O Lutador”, em sua edição semanal de 21 a 31 de outubro do mês de outubro, recém findo, em seu Editorial destaca que, segundo a Organização das Nações Unidas, nosso Brasil “reduziu a fome em 50%; a extrema pobreza em 75% e alcançou a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio com mais de um ano de antecedência”.
Também a pobreza foi reduzida em 65% embora 16 milhões de brasileiros ainda figurem nesse quadro.
Cabe aqui avivar recentes palavras do Papa Francisco, proferidas no dia 28 de outubro passado a todos os participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares:
“Solidariedade que nem sempre cai bem, eu diria que algumas vezes nós a transformamos em uma palavra má, que não se pode dizer; todavia é uma palavra, muito mais que alguns atos de esporádica generosidade. Significa pensar e atuar em termos comunitários, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas. É enfrentar os efeitos destrutivos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados de pessoas, as emigrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a mudar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história e é isso que fazem os movimentos populares.” (  trecho do Discurso do Papa Francisco ).
Sim, solidariedade como compromisso cotidiano e concreto de vida, que não se pode reconhecer em vagas e ocasionais atitudes de lembrança e auxílio, mais das vezes estimuladas por episódios midiáticos; ou para apascentar exigências formais da moral estritamente subjetiva, que se reduz a mero cumprimento de preceitos religiosos.
A solidariedade encarnada que nos impulsiona e, assim, nos leva ao envolvimento real com a irmã, ou o irmão, que necessita dialogar, que necessita conhecer, que necessita de saúde física e mental, que necessita ser protagonista de sua história, que necessita também participar do usufruto dos bens do banquete da vida.
Mais uma vez, o Papa Francisco no evento citado:
“Não se pode abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver quando, por detrás de supostas obras altruístas se reduz o outro à passividade, negando-se-lhe, ou pior, escondem-se negócios e ambições pessoais. Jesus lhes diria: hipócritas. Que lindo é, por outro lado, quando vemos os Povos em movimento, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então sim, sente-se o vento da promessa que aviva a ilusão de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo.
Este encontro nosso responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para seus filhos: um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas com tristeza vemos hoje estar cada vez mais distante da maioria: terra, teto e trabalho. Curioso, se falo assim, para alguns tem-se que o Papa é comunista.
Não se compreende que o amor aos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho é por isso que vocês lutam, são direitos sagrados. Reclamar por isso não é nada extraordinário, é a doutrina social da Igreja. (trecho do Discurso do Papa Francisco).
A palavra grega metanoia significa conversão, mudança.
Nós não podemos ser sempre os mesmos.
Não somos pedras monolíticas, herméticas, impenetráveis, bloqueadas num sistema fechado de idéias a pretexto de, assim, termos segurança para existir.
Somos pássaros, e nos movimentamos sempre, e assim: conhecendo o desconhecido, clareando o escuro, partilhando com o que é diferente, construindo com o que é diverso, tornamos possível e realizamos a fraternidade local, nacional, mundial, vale dizer: a fraternidade sem rótulos.
Os totalitarismos, tomem as colorações que tomem, fracassam sempre porque se assentam na falsa crença da dissolução, dissimulada ou crua, do que nunca pode ser dissolvido, porque não se pode formatar a pessoa humana em molde único de ser.
A vida gestada é sempre, e em si mesma, novidade. Eis porque, também por essa perspectiva, a vida é inviolável.
A propósito, o Papa Francisco no discurso aqui já mencionado:
“A respeito do descarte também temos que estar atentos ao que acontece em nossa sociedade. Estou repetindo coisas que disse e que estão na Evangelii Gaudium. Hoje em dia descartam-se crianças porque o nível de natalidade em muitos países da terra diminuiu, ou descartam-se crianças por não ter alimentação ou porque são mortas antes de nascer, descarte de crianças.
Descartam-se anciãos porque, bem, não servem, não produzem, nem crianças, nem anciãos produzem, então por formas mais ou menos sofisticadas são abandonados lentamente e agora, como nessa crise é necessário recuperar certo equilíbrio, assistimos a um terceiro descarte muito doloroso, o descarte dos jovens. Milhões de jovens, eu não quero dizer a cifra porque não a conheço exatamente e a que li me parece um pouco exagerada, mas milhões de jovens descartados do trabalho, desocupados.” (trecho do Discurso do Papa Francisco ).
O Natal se aproxima. Dele não façamos ocasião feérica de gastos e consumos.
O Natal descubro-o como momento forte a avivar, em mim, a espiritualidade, no meu caso religiosa, mas não que assim o seja necessariamente, a espiritualidade que, tal como o pássaro, nos move para além de nós, não como fuga ou distanciamento, mas para que possamos nos descobrir em nossa totalidade perfeita – espírito, razão e corpo – e, então, vivenciarmos os bens que não passam, dons com que Deus nos presenteia, porque tanto nos ama, dentre eles: a solidariedade.
Termino com o Papa Francisco, verdadeiro líder, em mundo tão carente de verdadeiras lideranças:
“Falamos da terra, de trabalho, de teto... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza... Mas, porque em vez disso nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se desaloja a tantas famílias, se expulsa camponeses, faz-se a guerra e se degrada a natureza? Porque nesse sistema excluiu-se o homem, a pessoa humana, do centro e ela foi substituída por outra coisa. Porque se rende culto idolátrico ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença: para mim não me importa o que acontece com os outros desde que eu defenda o meu. Porque o mundo esqueceu-se de Deus, que é Pai; o mundo está órfão porque deixou Deus de lado. ( trecho do Discurso do Papa Francisco ).
Leitoras e leitores que têm lido o que escrevo, com benevolência para comigo, dou-lhes presente de Natal. É simples indicação de leitura: a leitura do Discurso do Papa Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares. 
 
    

           

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

                                                                DEMOCRACIA

Votei em proposta, no 1º turno da eleição presidencial em curso, que de par com propor-se a acabar com o deturpado “presidencialismo de coalizão”, que há duas décadas vivemos, na alternância PSDB-PT, ostensivamente marcada pelo mercadejar de cargos e funções públicas, criadouro irresistível da corrupção sistemática, definia-se essa proposta no alterar a relação Estado-Sociedade e posicionava-se contra a reeleição aos cargos eletivos.
Assim, sairíamos, paulatinamente, da presença do Estado-provedor que, em si, tudo concentra, absolutiza-se, hipertrofia-se em todos os campos, para o Estado-motivador que, se tem por missão garantir a organicidade do corpo social, à Sociedade, por seus mais variados segmentos de representação, incentiva e estimula ao protagonismo de ações afirmativas na vivência cotidiana da democracia participativa e cidadania ativa.
Esse o grito inicial das ruas em junho de 2013, convenientemente deturpado no que se sucedeu, pela omissão interesseira de todos os grupos político-partidários representados no legislativo federal que, calados e ausentes, não se encorajaram a apresentar medidas reais, concretas, em resposta à movimentação popular acontecida. Optaram por, simplesmente, e em quadro de vazia retórica, mencionar, aqui e acolá, “o clamor das ruas”, que se desfez no extremismo inconsequente de vozes cada vez mais diminutas. Repito: tudo muito conveniente a todas essas agremiações partidárias, porque mantido a todas o adequado cenário do Estado-provedor, razão única de suas disputas político-partidárias: conquistar o Estado-provedor e exercer o poder pelo poder.
Ocorre-me, então, reproduzir argutas observações do Papa Francisco, no seu frutuoso diálogo com o igualmente preparado rabino Abraham Skorka, condensado no livro: “Sobre o Céu e a Terra”. Ei-las:
“O desprestígio do trabalho político precisa ser revertido, porque a política é uma forma mais elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para o bem comum. Nasci em 1936, tinha dez anos no surgimento de Perón, mas minha família materna é de raízes radicais. Meu avô materno era carpinteiro, e uma vez por semana um homem de barba ia lhe vender as anilinas. Ficavam um bom tempo conversando no quintal enquanto minha avó lhes servia uma caneca de chá com vinho. Um dia, minha avó me perguntou se eu sabia quem era seu Elpídio, o vendedor de anilinas. Tratava-se de Elpidio González, que havia sido vice-presidente da nação. A imagem desse ex-vice-presidente que ganhava a vida como vendedor ficou gravada em mim. É uma imagem de honestidade. Algo aconteceu com nossa política, ficou defasada em relação às idéias, às propostas. As idéias saíram das plataformas políticas para a estética. Hoje importa mais a imagem que o que se propõe. Já dizia Platão em “A República”: a retórica – que viria ser a estética – é para a política o que a cosmética é para a saúde. Saímos do essencial para o estético, endeusamos a estatística e o marketing.” ( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – pg. 115-116, grifei ).
Certamente, quem se dispuser a ler este artigo, agora sorri, e me tem por ingênuo, sonhador...
Mas se não nos dispusermos a fazer valer, a buscar realizar em palavras, atitudes e ações o que em nós há de mais profundo, descermos às nossas raízes para vivenciarmos coerentemente o ser fraterno e justo, não temos autoridade alguma para o posicionamento crítico das viciadas estruturas.
Retorno ao Papa Francisco e ao episódio posto no livro aqui já citado, e transcrevo, porque oportuníssimo, o seguinte trecho:
“Quando recebo políticos, alguns vêm bem, com boa intenção, compartilhando a visão da doutrina social da Igreja. Mas outros chegam interessados só em alianças políticas. Minha resposta é sempre a mesma: a segunda obrigação que eles têm é dialogar entre si. A primeira é serem os guardiões da soberania da nação, da pátria. O país é a dimensão geográfica e a nação, a constitucionalidade, ou o aspecto jurídico-legal que faz com que a sociabilidade seja viável. Um país ou uma nação podem decair em uma guerra ou ser mutilados e ser refeitos. Porém, a pátria é patrimônio dos pais, o que recebemos daqueles que a fundaram. São os valores que nos entregaram em custódia, mas não para que os guardemos em uma lata de conservas, e sim para que, com o desafio do presente, os façamos crescer e os lancemos à utopia do futuro. Se perdermos a pátria, não a recuperaremos: esse é o nosso patrimônio. Há duas imagens que me dizem muito sobre a pátria. Uma é bíblica quando Abrãao sai de sua terra, seguindo a caminho de Deus e leva o seu pai, que é um fabricante de imagens de culto. A outra imagem, mais ocidental, é quando Enéias, já queimada Tróia, sai para fundar Roma carregando seu pai nas costas. A pátria é por os pais nas costas.” ( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – pg. 117-118, grifei ).
O sentido da ancestralidade, digo eu, o movimento contínuo das gerações nutre-se, e revigorada faz-se a pátria, dos valores maiores que a perpassam, envolvendo-a, definindo-a no momento histórico presente.
E se se quer a definição do momento presente, ainda que, para mim, os que permaneceram no pleito não testemunham os propósitos que me conduziram à opção do 1º turno, devo  comparecer ao 2º turno e, dentre eles, considerar não “pelas estatísticas e marketing”, para reavivar o pensamento do Papa Francisco, mas pela vida pessoal e comunitária, pregressa e presente, de cada qual, quem tem a coragem de, rompendo os esquemas dessas duas décadas, migrar para “o amor social”.
Não me custa tentar.
A decepção, já experimentada, pela não escolha da opção que fiz, que se fez minoritária; e nova decepção pela não escolha, de novo minoritária; ou pela não coerência sobre quem recaiu a escolha, agora majoritária, essa decepção trato-a naturalmente, porque o que não se pode, jamais, permitir é que não se tenha escolha.     


  


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

IGREJA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ( II )

                    

Prosseguindo no exame do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, chamado “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”, objeto de nosso artigo anterior, destaco, também como aspecto de positiva relevância, o tratamento conferido ao financiamento das campanhas políticas.
O financiamento circunscreve-se a doações advindas de pessoas físicas, até o valor de R$ 700,00 por pessoa, até que se atinja 40% da quota do Fundo Democrático de Campanhas, que caiba ao maior partido, e por valores postos na lei orçamentária, valores esses definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral e que constituem o dito Fundo Democrático de Campanhas, gerido exclusivamente pelo mesmo Tribunal Superior Eleitoral.
A colaborar com o Tribunal Superior Eleitoral na relevante missão do controle real do financiamento das campanhas, a Justiça Eleitoral forma, em cada circunscrição eleitoral, forum de controle social do Fundo Democrático, forum composto pelo Ministério Público eleitoral; Ordem dos Advogados do Brasil, entidades e organizações da sociedade civil e representantes dos partidos políticos.
O Tribunal Superior Eleitoral é que, a partir de 5 de julho do ano eleitoral, fará a distribuição de 2/3 dos recursos destinados ao primeiro turno, depositando-os diretamente nas contas específicas de campanha dos partidos e até a citada data o Tribunal Superior Eleitoral divulgará relação indicando o total de recursos destinados a cada partido, para cada cargo em disputa, em cada circunscrição.
Desenvolvendo essa extremamente salutar diretriz de absoluto controle do Tribunal Superior Eleitoral sobre o financiamento das campanhas políticas, o Projeto impõe:
- que as receitas e despesas de campanha sejam lançadas em até 24 horas de sua realização no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais no site eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral com acesso on line ao extrato da conta específica de campanha;
- o pagamento das despesas de campanha com cartão de débito ou transferência bancária e, no caso da impossibilidade dessas alternativas, utilize-se cheque nominal cruzado, não endossável;
- que os partidos políticos só movimentem os recursos de campanha mediante cartão de débito ou transferência bancária;
- que a contratação de pessoas para a campanha seja precedida de contrato escrito em modelo disponibilizado no site eletrônico da Justiça Eleitoral, discriminando-se: qualificação completa das partes; atividade a ser desempenhada pelo contratado; horário e local de trabalho e o período da contratação. A remuneração dos contratados só pode advir de recursos provenientes do Fundo Democrático de Campanhas ou das doações de pessoa físicas;
- que os partidos políticos, coligações e candidatos ficam obrigados, durante a campanha, a divulgar pela internet, em tempo real, a movimentação financeira realizada, com a discriminação dos gastos realizados, em site criado pela Justiça Eleitoral para esse fim;
- que os partidos políticos devam manter registro contábil relativo às receitas e despesas, na observância das normas editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para garantir a identificação e discriminação das receitas e despesas por destinação dos recursos, de forma padronizada entre todos os partidos políticos.
O Projeto, marcando o protagonismo do Tribunal Superior Eleitoral na condução das eleições em nosso País, determina que esse Colegiado mantenha sistema de registro centralizado das informações referentes ao orçamento dos partidos políticos, incluída sua execução pormenorizada, garantindo-se às cidadãs e cidadãos brasileiros “amplo acesso em meio eletrônico”, para tanto instituindo e regrando o Sistema de Informação sobre Orçamento dos Partidos Políticos: SIOPP.
O Tribunal Superior Eleitoral deve instituir programa educativo “de forma a orientar a sociedade civil a exercer o controle social sobre as campanhas eleitorais e a aplicação dos recursos públicos destinados ao Fundo Partidário.”
Não resta a menor dúvida que se faz de total valia, insisto, o protagonismo do Tribunal Superior Eleitoral no eficaz controle do financiamento das campanhas políticas, o que se coroa com a expressa proibição das pessoas jurídicas de efetuarem “direta ou indiretamente doações para as campanhas eleitorais”.
Com efeito, o quadro atual, que conspurca a democracia brasileira, mantém incólume a destinação indiscriminada e incontrolada de verbas consideráveis por entidades financeiras, industriais, agrárias, comerciais, da construção civil, para a eleição de candidatos que, uma vez eleitos, obviamente dispor-se-ão, assim comprometidos, ao exercício do mandato de cabresto.
A meu juízo, necessitamos mais.
Há de se estabelecer o princípio segundo o qual: política não é profissão; o político não tem na política a sua profissão.
Ora, disso decorre, inelutavelmente, que não há lugar para a reeleição.
Mandato político só se pode cumprir por uma única vez, por 5 anos. Depois, torne o parlamentar à sua profissão. Se não deseja afastar-se da atividade político-partidária, que atue nos quadros partidários da agremiação escolhida, exercendo cargos ou funções que ela lhe ofereça. O mandato popular, todavia, só se exerce por uma única vez, impedindo-se  de cumpri-lo, por sucessão, parentes até o 3º grau.
As enormes mazelas, ocasionadas pela perpetuação dos detentores de mandatos eletivos, sem sombra para dúvidas, assim são evitadas.
Quem sabe da sociedade brasileira nasça proposta de emenda constitucional para o fim da reeleição em todos os níveis, pelo fim do político profissional.
Encerro com duas transcrições, hauridas do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, trabalho profundamente enriquecedor do Magistério da Igreja Católica que, lamentavelmente, é desconhecido por grande número de católicas e católicos.
Diz, a propósito das “tarefas da comunidade política”, esse Documento:
“168. A responsabilidade de perseguir o bem comum compete não só às pessoa consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado deve garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil de que é expressão, de modo que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos. O indivíduo humano, a família, os corpos intermédios não são capazes por si próprios de chegar a seu pleno desenvolvimento; daí serem necessárias as instituições políticas, cuja finalidade é tornar acessíveis às pessoas os bens necessários – materiais, culturais, morais, espirituais – para levar uma vida verdadeiramente humana. O fim da vida social é o bem comum historicamente realizável.” ( leia-se: Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 103 ).
E, sobre o fundamento e finalidade da comunidade política, ensina o Documento:
“385. A comunidade política tem na referência ao povo a sua autêntica dimensão: ela é, e deve ser, na realidade, a unidade organizadora de um verdadeiro povo.  O povo não é uma multidão amorfa, uma massa inerte a ser manipulada e instrumentalizada, mas sim um conjunto de pessoas, cada uma das quais – no próprio lugar e a seu modo – tem a possibilidade de formar a própria opinião a respeito da coisa pública e a liberdade de exprimir a própria sensibilidade política e de fazê-la valer em maneira consoante com o bem comum.” ( leia-se: Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 219). 
  


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

IGREJA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ( I )

                

Pessoas diversas têm me solicitado assumir posicionamento sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, denominado: “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Esse Projeto vem patrocinado por inúmeras entidades da sociedade civil, inclusive pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, do que desponta, e de plano para os que me indagaram, prévia questão: deve a Igreja envolver-se em tal assunto? ou, em linguagem mais direta, deve a Igreja envolver-se com a política?
O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, com muita clareza, afirma, no Capítulo I, desse seu escrito, justamente chamado “A Transformação Missionária da Igreja”, e no tópico I, sintomaticamente intitulado: “Uma Igreja em saída”:
“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.” ( leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 20 – pg. 20 ).
E, tornando à fonte primacial – o Concílio Vaticano II – perfeitamente coloca o Papa Francisco:
“O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: Toda a renovação da Igreja consiste numa maior fidelidade à própria vocação... A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma.”  (leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 26 – pg. 25).
A referência, como feita ao Concílio Vaticano II, é exata.
A Gaudium et Spes – Alegria e Esperança -, “constituição pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo de hoje”, que condensa as diretrizes para o impostergável e perene diálogo Igreja – Mundo, no seu proêmio deixa por bem assente que o homem todo, em sua realidade integral, ocupa o centro da missão cristã. Diz o proêmio:
“1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.” ( leia-se: Gaudium et Spes – proêmio – nº 1 – pg. 6 ).
Eis porque, esse mesmo documento, em sua Introdução, afirma:
“4. Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura e da relação entre ambas.” (leia-se: Gaudium et Spes – introdução – nº 4 – pg. 9 ).
E a Gaudium et Spes abre todo um capítulo – o Capítulo IV – dedicado à “Vida da Comunidade Política”, e dele destaco, porque muito pertinente, o seguinte trecho:
“Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, e mais ainda com caridade e fortaleza políticas ao bem de todos.” ( leia-se: Gaudium et Spes - nº 75 – pg. 107/108 ).
Considero, até como culminância de toda essa linha de pensamento, que desenvolvo, precisos esses ensinamentos do padre Mario de França Miranda, presente no seu livro Igreja e Sociedade:
“Hoje já se reconhece que as religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a que são condenados os mais pobres, bem como as injustiças de políticas econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais fracos. São elas que, livres de um dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e prisioneira de uma racionalidade funcional, em busca de resultados, desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidade de cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo, sem as quais a ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos tecnocratas.” ( leia-se: Igreja e Sociedade – pg. 139/140 ).
Em conclusão: não vivem o ensinamento evangélico, antes o contrariam, cristãos católicos que tomam como guia a expressão: “A Igreja não deve se envolver com política”.
Portanto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – muito bem se conduz quando, na equilibrada ponderação dos temas fundamentais à construção da sociedade brasileira justa e solidária, por si mesma, ou se aliando a entidades diversas, ainda que, dentre essas, algumas em questões outras se distanciem de sua compreensão, propõe e incentiva os cristãos católicos do Brasil a, concretamente, engajarem-se na coleta de assinaturas à formulação de projetos de lei de iniciativa popular.
Passo, agora, ao Projeto “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Ele trata do sistema das eleições proporcionais; do financiamento das campanhas eleitorais e da forma de subscrição de eleitores a proposições de lei de iniciativa popular.
As eleições proporcionais passam a ocorrer em dois turnos. No primeiro, não se vota em pessoas, mas nos partidos, que obrigados estão a apresentar o conteúdo de seu programa e a lista fechada de candidatos. Isso, a meu juízo, é salutar, na medida em que promove a adesão do eleitor, não em função do protagonismo do candidato, mas da agremiação partidária e suas propostas, daí porque o Projeto, com coerência, deixa por bem assente que “o mandato pertence ao partido político”, e não ao eleito, deste modo extinguindo-se com o nefasto “troca-troca de partidos por parte de políticos inescrupulosos, perdendo o mandato “aquele que se desfiliar do partido  político para o qual foi eleito”.
No segundo turno, o partido então apresenta a relação dos candidatos, que constavam da lista preordenada, apresentada no primeiro turno, mas agora nela constando só os nomes dos que tenham se posicionado na numeração correspondente ao dobro das vagas conquistadas pelo partido no primeiro turno.
O Projeto torna obrigatória, na formação da lista preordenada, a observância “da alternância de sexo”, com o que, validamente, consagra-se a paridade de oportunidade mulher-homem nas candidaturas e, nas eleições primárias internas à formação da lista preordenada, é marcada a obrigatoriedade de acompanhamento de todo esse procedimento por servidor estável da Justiça Eleitoral, designado pelo Juiz eleitoral, abrindo-se o evento à presença do Ministério Público.
Este artigo já se faz longo para os meus padrões e estilo – busco ser conciso e objetivo no que escrevo – de modo que, e desejando a compreensão dos que o leem, desenvolvo-o e o concluo na próxima semana. 
  

                  

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

CONSTRUTORES DA PAZ E DO BEM

                        

Impossível não voltar a se perturbar, a se revoltar, com as cenas reproduzidas de corpos infantis dilacerados e mortos, com os gritos lancinantes de dor de tantos corações femininos, de esposas e mães, com os olhares, vazios e perdidos de anciãos, que em ciclo final da existência humana vagam porque tudo o que construíram foi-lhes tirado.
Deparo-me com as palavras do Papa Francisco na sua admirável Exortação Apostólica, “A Alegria do Evangelho”:
“49. Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa em um emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: Dai-lhes vós mesmos de comer. ( Mc. 6, 37)”. ( leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 49 – pg. 42/43).
Necessitamos já, com urgência, e cada vez mais universalizarmos o bem.
Universalizarmos o bem não é sair à cata de adeptos, ou fazer proselitismo, ou ditar as normas em que nos sistematizamos.
Universalizarmos o bem requer, de plano, o olhar completo para nós mesmos e, então, nos questionarmos: reduzo-me, exclusivamente, aos interesses pessoais do trabalho a conquistar e de posições a galgar, ou aos frutos do trabalho conquistado no deleite do tanto que agora posso ter? A mim, não me interessam questionamentos e posicionamentos comunitários, comprazendo-me, estritamente, com os “meus”: familiares e círculo de amizade onde gravito, ou que gravitam em torno a mim? Enclausuro-me nos meus “dogmas” e a quem quer que os contradiga, enfureço-me, sou capaz de agredi-lo, verbal e mesmo fisicamente, incapaz de oferecer-me em diálogo?
Talvez você, leitora e leitor que até aqui tenha tido a benevolência de ler o que estou a escrever, encerrará a leitura agora, quando lhe digo que se nós nos autorreferenciarmos, nos absolutizarmos, nos padronizarmos nos rituais do cotidiano, por esse modo nós alimentamos o estado de coisas, que motivou o primeiro parágrafo deste artigo.
Todos nós, vivendo, colocando concretamente em prática, os carismas - dons do Deus-Amor que não só Se entrega por nós, mas, graças aos carismas que Ele nos dá, assim nos capacita para a transformação do mundo em que estamos - pomo-nos em “estado permanente de missão” (Documento de Aparecida – nº 551), vale dizer: construtores somos da paz e do bem.   

                     

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Vida que segue

                                                
“Vida que segue”, expressão tantas vezes ouvida quando dissabores, infortúnios e fortes tristezas acontecem.
Sim, “vida que segue”, mas necessário se faz que o que passou não seja, simplesmente, descartado como algo inútil, ou que se deva esquecer.
“Vida que segue”, mas a partir do aprendizado do que se viveu.
Bem recentemente, todos quantos gostam de esporte, especificamente de futebol, experimentaram grande dissabor.
Em competição a nível mundial, nossa, dita seleção, foi medíocre, avassaladoramente medíocre.
Reflitamos, portanto.
O comando do futebol, a melhor dizer, de todas as modalidades esportivas em nosso País, é confiado a associações privadas cujos mandantes – creio que o melhor termo seja mesmo esse: mandantes – são pessoas que mandam e desmandam arbitrariamente; perpetuam-se no mando, por décadas; utilizam-se dessas entidades para o enriquecimento pessoal em inescrupuloso compadrio. Apesar de manejarem verbas públicas e desenvolverem atividades que atingem patamar nacional não se sujeitam a qualquer controle.
Permanecendo esse o quadro, nos contentaremos com espasmos de vitoriosas conquistas dentro de realidade marcada pelo desempenho ruim, quando não pífio, situação típica de País desorganizado e amador.
Urge que se fixe período único, vedada a recondução, período definido no quadriênio, findo o qual tais pessoas necessariamente retirem-se da direção dessas entidades, e aconteça, então, a imprescindível e contínua renovação de pensamento e ação.
Urge que a direção monocrática dessas entidades – a presidência – seja desfeita e, em seu lugar, a direção das mesmas passe a consolidar-se em colegiado – comissão diretora – integrado por um representante dos atletas da modalidade esportiva; um representante dos técnicos e um representante das associações esportivas em causa: a direção em triunvirato.
Urge que se legitime o Ministério Público, dada a inserção de verbas públicas a subsidiar ações dessas entidades e a emigração descontrolada de jovens brasileiros para o exterior, para o exercício do controle externo sobre essas entidades, com todos os consectários disso decorrentes, ou seja, a provocação do Poder Judiciário sempre que necessária a adoção de medidas judiciais a que seja sanado o descontrole, a irresponsabilidade e a má-fé na gestão dessas entidades.
Reflitamos, ainda:
O culto, provocado pelo sensacionalismo midiático, ao egocentrismo, ao chamado craque – e quantos craques mensais, e mesmo quinzenais, grande parte da mídia esportiva não se cansa de “produzir” -, traduzido na máxima: “a seleção é Fulano e mais dez”; esse culto, quase que idolátrico a ocupar mentes desavisadas, propicia eloquente desserviço.
Trago, aqui, porque as tenho por oportunas e sábias, palavras do Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica: “A Alegria do Evangelho”:
“2. O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros...” ( consulte-se: A Alegria do Evangelho – pg. 3/4 ).
Aí está: certamente que nos esportes coletivos – futebol, vôlei, basquete, etc. – um, ou mais de um, atleta se sobressai dos demais por sua qualidade técnica, mas esse dado, até óbvio dada a especificidade das aptidões entre as pessoas, que felizmente as impedem de serem tratadas massivamente, em bloco supressivo das individualidades, esse dado, repito, jamais há de autorizar o endeusamento, o estrelato superficial, vazio e inútil do “herói da partida”.
Heróis são todos os que se dispuseram ir ao campo, ir à quadra, e, praticando sadiamente o esporte, buscar a vitória.
A expressão, aqui já mencionada sob o enfoque futebolístico – “a seleção é Fulano e mais dez” – é superada, e desaparece irrefragavelmente diante da sabedoria popular que dita: “ uma andorinha só não faz verão”.
Mister se faz que tenhamos sempre em mente a equipe, o conjunto de atletas, o esforço coletivo, e se se tem a necessidade da escolha do melhor, que a escolha se faça como que a premiar o que melhor refletiu o conjunto, e o escolhido se sinta como a síntese de todos os demais companheiros no jogo realizado.
Quem sabe assim, de par com o desejo, natural e válido, a animar o atleta de obter proveito pessoal para si, e para seus familiares, mais das vezes a que consiga ultrapassar nível da crônica desigualdade econômica e social em que está inserido, esse mesmo atleta possa compreender o inestimável valor de ser em conjunto, do jogar coletivamente, da responsabilidade social de suas ações. A propósito, nunca é demais rememorarmos as palavras do Papa Francisco, presentes em outro trecho da Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, delas me valendo para encerrar este artigo:
“Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista dos dramas dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma.”( consulte-se: A Alegria do Evangelho – pg. 49 ).  



terça-feira, 17 de junho de 2014

EXPERIÊNCIA ASSIS

                                    

Ângela e eu, com mais trinta e seis irmãs e irmãos franciscanos, leigos e religiosos, percorrendo por cinco ( 5 ) semanas caminhos percorridos por Clara e Francisco de Assis, nos vales da Úmbria e da Toscana, na Itália.
O percurso não é turístico. Tão pouco se identifica com as denominadas peregrinações religiosas, quando tudo se faz célere e com pouco adensamento espiritual.
A natureza não é só para ser admirada em exclamações, se bem que isso é perfeitamente cabível, mas a natureza é a criação de Deus que, por suas cores, luzes e desenhos me é pelo Criador ofertada para que nela O escute, e o meu espírito assim se abra a me conduzir ao mergulho em mim mesmo, então ao conhecimento de mim mesmo e possa, efetivamente, viver o refrão de canção tão bela e plena de significado – “Irmão Sol, Irmã Lua” -, quando entôo: “sou uma parte de uma imensa vida, que generosa reluz em torno a mim”.
Sim, não me basto a mim próprio: sou uma “parte”, uma “porciúncula” (= porçãozinha), necessitado de viver com, de conviver, embora o mundo, insistentemente, me seduza à crença do bastar-me a mim mesmo na ilusão da auto-suficiência propiciada pela parafernália tecnicológica que, em verdade, muito mais me isola do que me aproxima dos outros.
“A imensa vida” diz-me que hei de ser em abundância porque, só assim, saio do meu ego enclausurado e, sem medo, oferto-me, para dar e receber, na experiência da fraternidade.
Eis a “generosidade”, que é a entrega do que se é, com defeitos e acertos, justamente para que, no desnudar-se de minhas amarras, traduzidas em vícios, medos, obsessões, pouco a pouco eu vá ao encontro, saia de mim, integre-me, assim, na luminosidade Daquele que de Si, apresentou-se a Si mesmo como: “o Caminho, a Verdade e a Vida”.
Pelos vales da Úmbria e da Toscana, caminhei muito: ora comigo mesmo, ora com Ângela, ora com o grupo, e assim orei, também.
O sentimento – não a sensação, alimento do mundo, que é tão provisória e, por isso, logo desaparece – o sentimento de trilhar com Clara e Francisco de Assis é atemporal, não desaparece. Por isso, escrevo estas linhas. O sentimento é fonte inesgotável, que jorra.
Vejam caras leitoras e leitores, que a canção “Irmão Sol, Irmã Lua”, a que antes me referi, é iniciada por estrofes imediatamente anteriores àquela que transcrevi, assim: “doce é sentir em meu coração, humildemente vai nascendo o amor, doce é saber não estou sozinho”.
Aí está: o sentimento é doce e, repito, fonte inesgotável que jorra, quando faz do coração a sua morada.
Muito, mas muito mais, poderia eu partilhar com vocês sobre a “Experiência Assis” – esse foi o nome dado ao percurso feito -, importa, contudo, que se vá, passo a passo, humildemente, como ensina S. Francisco, que ensina também: “faça poucas coisas, mas faça-as bem”.
  

   

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Mulher e Homem: mãe e pai.

                         

                                                                     
 É sabido que as defensoras da ideologia de gênero posicionam-se no sentido de que é indeclinável a distinção entre o que é natural e biológico e o que é social e culturalmente construído. Uma vez que o natural e biológico traz a marca da definitividade importa proceder à sua desconstrução pelo acontecer sócio-cultural, que é contingente, propiciando então que tudo se relativize. Assim, conceitos absolutos como mulher e homem; mãe e pai; esposo e esposa; casamento e família não têm mais razão de ser: basta que se fale em uniões: tout court.
Subjacente a essa concepção, motivando-a, partem essas defensoras da ideia de que a palavra sexo traz o ranço negativo da subserviência das mulheres aos homens e a sua permanência, como posta, significa retrocesso às conquistas femininas, daí porque gênero, como construção social, não tem definição e não necessita tê-la. Chega-se a dizer que a família é elaboração da “classe dominante”, expressão hegemônica cujo objetivo radica no apequenamento e menosprezo à mulher.
Tais posições são insustentáveis.
Com efeito, conceitos há que não se relativizam.
Ninguém pode chamar ao dia, noite, assim como não se pode chamar à noite, dia. A natureza, pela presença da luz solar, define o dia; pela ausência da luz solar, a natureza define a noite.
Também assim, a vida fetal já se reconhece, dado o avanço da medicina nos exames intra uterinos, como feminina, presente a formação corpórea definida irrefragavelmente pela natureza, e masculina, pela mesma razão.
Se anomalias acontecem – e pensemos nos casos exíguos dos hermafroditas -, por certo o que é excepcional não pode chancelar a ideologia de gênero porque, nesses casos, o que se dá é a oportunidade ulterior de definição do sexo, e não sua abolição.
Por outra linha de argumentação, não é com a eliminação da definição natural de mulher e homem que se alcançará a igualdade social entre mulher e homem.
A desigualdade social entre mulher e homem, agora sim, é ranço cultural na construção de sociedade machista, que não se abole pela eliminação da sexualidade peculiar a ambos, mas pelo permanente processo educativo, iniciado desde a mais tenra idade que, enfatizando a complementaridade de ambos, justamente porque são diversos, constantemente realce, promovendo, a diretriz segundo a qual a complementaridade sempre pressupõe a absoluta igualdade.
Ainda outro dado de fundamentação, de relevo: a maternidade e a paternidade não conferem aos pais, na relação com os filhos, direito de deles disporem como bem entenderem. Não é assim. Os filhos gerados, sim, é que em relação aos pais e nessa situação têm o direito que lhes seja assegurado: o viver, o proteger, o educar, o sexo naturalmente definido.
Não se pode, portanto, matar o próprio filho, não protegê-lo, não educá-lo, não respeitar o seu sexo naturalmente definido.
Natureza e cultura não são antagônicas.

O que se é, naturalmente, assim se é para se realizar, culturalmente.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Cinquenta anos, depois

                              

Quinze anos de idade, 1º ano do antigo curso Clássico, curso esse com ênfase à área de humanidades – filosofia, história, sociologia, literatura –, jogando futebol e voleibol e, ávido de conhecimento, lendo muito.
Despertando, assim, para a realidade de meu País, o Brasil, com tantas injustiças sociais. Engajando-me, assim, com entusiasmo e consciência na luta pelas reformas de base, ênfase à educacional.
Não à dependência externa. Ampliar a nascente cultura brasileira, expressão eloquente do cinema novo, da música popular brasileira, do teatro Opinião; enraizar a economia brasileira, dignificar a política brasileira.
Coração de estudante palpitando forte na crença de tempo novo, caracterizado pelo fim da miséria, do analfabetismo, do precário sistema de saúde, do Brasil para os brasileiros: “yankees go home”.
1964!
Dezessete anos de idade, 3º ano do antigo curso Clássico, vestibular à porta, escolha pelo curso de Direito, desde então mirando o Ministério Público, exemplo paterno, vocação para o social, para o envolvimento comunitário, assim diminuir as injustiças sociais.
1964!
Golpe de Estado: tropas militares nas ruas e daí espraiam-se: lares invadidos e desrespeitados, Parlamento fechado, Poder Judiciário sem poder algum, manietado; prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos, assassinatos. Agentes públicos, deturpados e desvairados, alimentam-se inclemente e insaciavelmente de tantos corações de estudantes, professores, operários, camponeses, bancários, jornalistas, religiosos, indígenas, advogados, promotores, juízes, políticos, militares e suas vozes, e de tantas e tantos outros profissionais emudecem, porque mortos; calam-se, porque aprisionados.
O tempo. O tempo, que corre, é a esperança real de todos quantos, apesar dos pesares, não desistem de seus ideais de juventude e resistem a cada dia, a cada aflição cotidiana enquanto perduram as trevas. O tempo desmascara a ilusão do ditador de que é detentor da verdade absoluta, por isso que imutável e perene.
Como, magnificamente, disse o Papa Francisco não há verdade absoluta porque ab-solutus do latim significa “o que é solto”; “desconexo”; “separado”; “privado de qualquer relação”. Ora, a verdade é sempre relacional, se expressa e, portanto, assim se faz conhecida no processo de amar a Deus, às irmãs e irmãos, e a todas as criaturas.
O ditador não se relaciona a não ser, equivocadamente, na uniformidade. Não tolera a divergência, exercício perene para o encontro sempre possível.
2014!
Cinquenta anos, depois.
Tenho sessenta e sete anos de idade, mas os quinze anos pulsam, estão presentes, enriquecidos e alargados pelo aprendizado do viver, e comprometido permaneço em combater – esse sim o bom combate – as injustiças sociais a que se concretamente promova, aqui e sempre, a dignidade da pessoa em toda a sua integralidade e por todo o tempo em que viver.
 


            

quarta-feira, 5 de março de 2014

A propósito da Anistia

                                          

Posicionamentos dos que juridicamente viabilizam a lei de anistia – Lei nº6683/1979 – centram-se, em causa subjacente a toda a linha de argumentação desenvolvida, no ter-se constituído dito diploma legal em fórmula adequada ao apaziguamento da sociedade brasileira, e que sua desconstituição – até porque a revelar pacto político selado há tantos anos e importante à sua época – óbice encontraria no exaurimento do texto normativo, assim consolidado, e também na proibição da retroatividade penal.
No pórtico de apresentação da Constituição federal de 1988, o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, disse-a:
“É a Constituição Coragem.
Andou, imaginou, inovou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que se salvam pela lei.
A Constituição durará com a Democracia e só com a Democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.”
Pois a Constituição Coragem, no artigo 5º, inciso XLIV, é textual:
XLIV – “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Esse preceito constitucional é claro: todas as condutas praticadas por grupos armados de civis ou militares que afrontem a ordem constitucional e o Estado Democrático são crimes, observada a prévia definição das mesmas na legislação penal, codificada ou não, em vigor ao tempo de sua prática, na exata observância do disposto no inciso XXXIX, do mesmo artigo 5º e, quando cometidas no contexto desse cenário – “contra a ordem constitucional e o Estado Democrático – tornam-se inafiançáveis e imprescritíveis.
Assim, de nenhuma valia dizer-se que a lei de anistia cristalizou pacto político, então exaurido em seus efeitos e, portanto, imutável.
É injurídica tal colocação.
A Constituição Federal de 1988, a Constituição Coragem, não recepciona a lei de anistia. Não recepciona a lei de anistia porque se revelando a Carta Magna como a expressão jurídica suprema empenhadamente motivada e calcada na afirmação e preservação da Democracia, por certo e por óbvio não poderia incorporar, validando, texto de lei ordinária, que frontalmente desrespeita esse seu maior propósito.
É de se considerar que quando a própria Constituição federal quer conceder eficácia contida a preceitos seus vale-se ora da expressão “nos termos da lei”, ora da expressão “a lei”, como exatamente fez nos dois incisos anteriores – XLII e XLIII – a tratar da inafiançabilidade e da imprescritibilidade do crime de racismo – inciso XLII – e da inafiançabilidade e insusceptibilidade da graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos – inciso XLIII -.
Ora, no inciso XLIV o texto constitucional é direto e incisivo: constituem-se em crime inafiançável e imprescritível as condutas criminosas, já presentes na legislação penal à época em que foram realizadas, sempre que perpetradas por grupos armados de civis e militares e assumidas contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Esse inciso, por manifesto, não pode ser interpretado como a exigir seja inserido no Código Penal tipo, cujo “nomen iuris” seria: “agir contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Aliás, a vastidão e generalidade dessa definição comprometeriam, sem qualquer margem para a dúvida, a exigência do princípio da tipicidade criminal estrita, corolário imprescindível do processo judicial democrático.
É de se louvar, por tudo quanto até aqui se disse, o comportamento de Procuradoras e Procuradores da República e do próprio Procurador geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, posicionando-se claramente sobre a imprescritibilidade e a não incidência da lei de anistia sobre as condutas criminosas executadas pelos agentes públicos do Estado ditatorial, até porque o artigo 127 da Constituição federal diz ser dever do Ministério Público, como instituição permanente da Sociedade brasileira, defender: “a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.”
A Constituição Coragem assim o é porque não teme arrostar o passado para não permitir que jamais se faça presente; porque não teme iluminar continuadamente a escuridão, cúmplice do silêncio, para não permitir que jamais se olvide e, então, se conheça, em toda a sua extensão, observando-se sempre os ditames do devido processo legal, o grau de responsabilidade dos civis e militares, que agiram, criminosamente, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático porque tais condutas são inafiançáveis, tais condutas são imprescritíveis.
    
                                                                                                                                          

domingo, 16 de fevereiro de 2014

"Eles têm uma pertença e não devemos isolá-los"


“Sentei ao lado dele para bater papo, estava morrendo de saudades – recorda Isabell -. Agora penso que, talvez por viver um inferno na própria casa, o Coutinho procurasse a história de outras pessoas, sofridas ou não, para conseguir lidar com os problemas, para aliviar a dor que sentia dentro do coração.”
São palavras de Isabell Erdmann (Revista O Globo – 9/2/2014 – pag. 34, na matéria: “Retrato falado por quem foi ouvido”), alemã, radicada no Rio de Janeiro, sobre seu amigo, o cineasta Eduardo Coutinho, assassinado pelo próprio filho.
Cinegrafista, documentando manifestação pública, sobretudo de jovens, é atingido letalmente por artefato de ataque posto em sua direção.
Pessoas jovens assumem atos gravíssimos.
Recordo-me das palavras do Papa Francisco, ditas aos jornalistas, no vôo de vinda ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude:
“Esta primeira viagem tem em vista encontrar os jovens, mas não isolados da sua vida; eu quereria encontrá-los precisamente no tecido social, em sociedade. Porque, quando isolamos os jovens, praticamos uma injustiça: despojamo-los da sua pertença. Os jovens têm uma pertença: pertença a uma família, a uma pátria, a uma cultura, a uma fé... Eles têm uma pertença e não devemos isolá-los! Sobretudo não devemos isolá-los inteiramente da sociedade! Eles são verdadeiramente o futuro de um povo!” (leia-se: Papa Francisco: mensagens e homilias – JMJ Rio 2013 – pag. 9).
Os tempos atuais trazem a marca do isolamento, da solidão.
Os dedos nervosos, incessantemente digitando, comprometem o convívio. Mães e pais ocupados demais, tão preocupados e ocupados que já não se sentam mais à mesa, com seus filhos, e confraternizam, educam; não mais vivenciam a pertença comum à família. Todos, centrados em si, todavia esvaziam-se no consumo digital e televisivo.
O que nos impede de, sem repudiar as características do instrumental tecnológico, reconhecer o caráter unicamente instrumental da tecnologia e, assim, abrirmos espaços ao bom-dia afetuoso; ao contar estórias e deixar que a fantasia nos surpreenda, alegremente; aos passeios, quando juntos aprendemos uns com os outros a conhecer a nós mesmos e ao que nos rodeia; ao boa-noite que, encerrando o dia de trabalho, de estudo, ou o dia de só ser cuidado, tão próprio dos bebês, em todos da família – a mãe, o pai, a filha, o filho – faça acontecer o sentimento vivo de união, ou seja, de pertença porque pertencer é unir-se para ser: o que nos impede?
Retorno ao Papa Francisco a propósito da reflexão sobre o segundo evento: a morte do cinegrafista Santiago Andrade.
“Porém, a pátria é o patrimônio dos pais, o que recebemos daqueles que a fundaram. São os valores que nos entregaram em custódia, mas não para que os guardemos em uma lata de conserva, e sim para que, com o desafio do presente, os façamos crescer e os lancemos à utopia do futuro. Se perdermos a pátria, não a recuperaremos: esse é nosso patrimônio.”( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – Jorge Bergoglio e Abraham Skorka – pag. 118 ).
Aí está: nosso Brasil é nosso porque de nossos ancestrais o recebemos em valores fundantes, que não se cristalizam, mas impulsionados pelo suceder das gerações, cresçam na perspectiva concreta da superação e mudança do que precisa ser superado e mudado.
Por tal razão, manifestações públicas são necessárias, alimentam a Democracia.
Manifestações públicas hão de expressar, concretamente, por vozes, faixas e cantos o que se quer mudar.
Manifestações públicas são protagonizadas: os que, livre e conscientemente, optem por nelas participarem, afirmem sua identidade, rostos a descoberto, cidadania ativa presente.
Membros do Ministério Público e advogados, guardiães da Democracia, devem fazer-se presentes às manifestações públicas e os serviços de segurança do Estado devem acompanhá-las, não predispostos a reprimi-las, mas para que não sejam elas desvirtuadas de seus propósitos, o que supõe o equilíbrio e a capacitação profissional desses servidores.
Manifestações públicas exigem que as lideranças políticas respondam de maneira pronta, objetiva e clara, sem subterfúgios ou manobras protelatórias, aos pleitos apresentados. De todo útil e impostergável que a liderança maior de nosso País, a Presidência da República, de imediato tivesse convocado a radiodifusão e a televisão, posicionando-se.
Para encerrar, valho-me de ensinamento do Papa Francisco, que atinge o coração de tantas e tantos, crentes ou não, simplesmente porque é, com atitudes firmes e serenas, o que diz:
“Para completar esta reflexão, além do humanismo integral, que respeite a cultura original, e da responsabilidade solidária, considero fundamental, para enfrentar o presente, o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo – porque todos somos povo -, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialogam, de modo construtivo, as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística, e a cultura tecnológica, a cultura econômica e a cultura da família, e a cultura da mídia. Quando dialogam... É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que permaneça fechada na pura lógica ou no mero equilíbrio de representação de interesses constituídos.” (leia-se: Papa Francisco: mensagens e homilias – JMJ Rio 2013 – pag. 56-57 ).