quarta-feira, 23 de novembro de 2011

TESTEMUNHO

         O que me é pedido faz-se em testemunho pessoal no plano da dimensão sócio-política.

         Exerci, em meu País, o cargo de Procurador-Geral da República nos anos de 2003 a 2005.

         A questão mais importante, que surgiu nesse período, centrou-se na defesa da vida.

         Com efeito, o Parlamento brasileiro autorizou, sob o pretexto de cura possível de doenças degenerativas, e outras mais, a pesquisa com células-tronco embrionárias.

         Questionei a constitucionalidade dessa lei, porque utilizar embriões humanos em tal tipo de pesquisa significar matar o embrião humano, matar a vida humana em seu estágio inicial pela simples e definitiva razão de que na concepção há a vida humana porque na concepção, no exato instante da união dos gametas masculino e feminino, define-se o código genético do ser concebido, que não se altera enquanto viver.

         Pelo olhar da religião, em perfeita sintonia com o da ciência – e na ciência jurídica o primeiro de todos os princípios constitucionais é o da inviolabilidade da vida humana -, tem-se no Evangelho de S. João, no capítulo 10, versículo 10, que: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.”

         Portanto, a presença do Deus-Amor na história humana é de nos ensinar a primazia da vida em todas as suas dimensões – humana, animal e ambiental – e sobre toda e qualquer construção sócio-política e cultural.

         Nos dias de hoje, a ciência volta-se para outra linha de pesquisa, valendo-se das chamadas células-tronco adultas, ou seja, as que são obtidas da própria pessoa, sem o sacrifício de sua vida, e resultados positivos vão sendo obtidos, passo a passo, nessa abordagem.

         O próprio Vaticano associou-se com a sociedade biofarmacêutica NeoStemInc., em maio de 2010, para, em conjunto, incentivarem a pesquisa e sensibilizarem a opinião pública sobre os tratamentos terapêuticos com células-tronco adultas.

        Por ocasião dos debates sobre essa questão vital, aqui no Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil instituiu a “Semana Nacional em Defesa da Vida”, celebrada de 1 a 7 de outubro, a cada ano, e o dia 8 de outubro como o “Dia Nacional do Nascituro”.

         Convido a todas as irmãs e a todos os irmãos, presentes neste Capítulo Geral que, nos seus respectivos Países, promovam junto às respectivas Conferências Episcopais a instituição de Semana e do Dia em Defesa da Vida e do Nascituro.

         O seguimento de Francisco conduziu-me a outra atitude em minha vida.

         Terminado o meu mandato como Procurador-Geral da República, e passado breve período, não permaneci no desempenho de funções públicas oficiais.

         Com minha esposa Ângela, fomos compartilhar da vida das irmãs e dos irmãos dependentes químicos, sob a perspectiva do método chamado “amor exigente”, nas comunidades conhecidas como “Fazenda do Senhor Jesus”.

         Nesses anos todos pude descobrir o que, para mim, é o verdadeiro sentido da alteridade.

         O outro não está fora de mim. O outro é dentro de mim, por isso posso envolver-me (= movimentar-me para dentro) com ele.

         Creio que essa foi a forte percepção de Francisco de Assis, a principiar com o beijo no irmão leproso, a respeito do amor incondicional de Jesus, até culminar na morte de cruz, por todos nós.

         Somos seres relacionais, como relacional é sempre a manifestação da Trindade Santa, que impede que Deus seja solidão, mas eternamente é comunhão.

         Não devemos desanimar, mas sempre caminhar, e no caminho acolher e convidar continuadamente.

         Encerro oferecendo-lhes a “Oração da Serenidade”, que aprendi com minhas irmãs e meus irmãos da Fazenda Senhor Jesus, e de quem me tornei feliz dependente:

“Senhor conceda-me a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar. Coragem para modificar aquelas que eu posso. Sabedoria para distinguir umas das outras.”


                                                                               Paz e Bem!

        

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Capítulo Internacional Franciscano

         Dádiva de Deus, Ângela e eu, termos participado ativamente do Capítulo Geral Internacional Franciscano da OFS, em S. Paulo.

         Irmãs e irmãos de tantas partes do mundo: dos continentes africano, asiático, europeu e das Américas do sul, central e norte.

         Procedeu-se à avaliação do triênio cumprido pelo atual Conselho Internacional – 2009/2011 – com vistas ao triênio seguinte – 2012/2014 – pois que ao nível de Conselho Internacional o mandato é de 6 anos.

         Esse foi o 13º Capítulo Internacional pela primeira vez acontecido na América do Sul e sediado no Brasil.

         De par com o natural enriquecimento causado pelo encontro de diversas culturas, impressionou-me a vitalidade das irmãs e irmãos seculares da África, Ásia, Europa oriental e América latina no viver a mensagem de Francisco de Assis.

         Muitos os desafios porque passam, até perseguições, mas permanecem firmes, impulsionados pela vivência da fé e pelo carisma franciscano em testemunho claro de pertença à forma de vida abraçada.

         Zelosos, alegres, firmes, elas e eles não se detêm.

         Realmente, suas mãos estão no arado, e não olham para trás.

         O local que desfrutamos nos 7 dias era retirado. Propiciou-nos o recolhimento, celebrações litúrgicas, apresentações temáticas e manifestações culturais, tudo integrado à natureza, espaçosa e em flor.

         Testemunhos eloquentes foram partilhados. As misérias da guerra civil em terras de Angola e Ruanda. O desastre incomensurável no Haiti. A missão do franciscano secular.

         Conto-lhes, leitores, algo tão denso: irmãzinha secular francesa – e digo irmãzinha porque tão doce, suave e dedicado o seu ser – mostrou-me foto de uma mulher de Ruanda, acamada em um hospital, padecendo dores tantas e em grave quadro de saúde, causado pela AIDS, cega em seu leito. Pois essa mulher de Ruanda, em conversa com nossa irmãzinha francesa, que dela cuida com desvelo, porque assessora internacional do CIOFS justamente para os países africanos de língua francesa, poucos dias antes da realização do Capítulo, baixinho dissera-lhe: “tenho falado com Deus para que as dores, que padeço, ofereço-as ao bem do Capítulo, que vai acontecer.

        De minha parte, e relato minha intervenção por último, eis que mesmo pequena diante do que acabo de narrar, o que falei dividi em duas reflexões: uma sobre o empenho na defesa da vida, principalmente do nascituro; e a outra pelo desapego a cargos e títulos públicos porque, para mim, em minha vida, o seguimento de Francisco de Assis a isso conduziu-me, e me sinto tão feliz.

         Feliz também fiquei quando, ao citar o acontecido com nossa Conferência episcopal, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, que, por ocasião dos debates sobre o uso dos embriões humanos para fins terapêuticos, instituiu a Semana Nacional em Defesa da Vida, de 1 a 7 de outubro, e o Dia Nacional do Nascituro, dia 8 de outubro, o Capítulo Internacional decidiu que todas as fraternidades seculares devem, junto às suas respectivas conferências episcopais, adotar ações concretas para que, também em cada país de que são nacionais, institucionalize-se a Semana Nacional em Defesa da Vida e o Dia do Nascituro.

                                                          Paz e Bem!  



domingo, 2 de outubro de 2011

OUTUBRO

         O mês de outubro, tenho-o em devida consideração.


         No dia 11, nasci.


         Nascer é luz, então expressar-se. É possibilidade de crescer, desenvolver-se, então conhecer-se porque os outros conhecer. É certeza de morrer, então compreender que não viemos do nada, nem para o nada voltaremos, mas o Sumo Bem nos gerou, mas de nós não se apossou para que, verdadeiramente livres, a Ele nos religássemos.


         A vida não é um fim em si mesmo. É encontro, ou desencontro; abrir-se e envolver-se com o próximo ou fechar-se e isolar-se. A vida é gesto concreto de amor do Sumo Bem para nós, mulheres e homens, porque com a vida Ele nos capacita a realizar nossa própria história, por mais breve que tenha sido, e, assim, existimos e somos.


         O mês de outubro, tenho-o em devida consideração.


         No dia 3, o trânsito de S. Francisco, ou seja, o Poverello de Assis conclui a sua história, marcando em tantos de nós, mulheres e homens, eu entre esses tantos, a nossa própria história.


         Francisco a Deus chamou-O de Sumo Bem, como as primeiras linhas desse artigo assim também me motivaram a chamá-LO.


         O Sumo Bem nos entregou a mãe-terra com frutos, flores, campos, aves, peixes e outros animais; o firmamento na sinfonia plena do sol, lua, estrelas, nuvens e o vento, que tudo percorre e impulsiona; a água e o fogo balanceando as estações do tempo. Tanto nos entregou, ensinando-nos a importância do cuidar.


         O Sumo Bem fez-se um de nós; viveu nossas alegrias e tristezas, esperanças e desapontamentos, peregrinou, incessantemente, em praças e vilas; recolheu-se, também, em oração e meditação, e suas vestimentas eram simples, seus gestos de acolhida, suas palavras claras e verdadeiras. Tanto assim se fez, ensinando-nos a importância de amar.


         Cuidar é amar em todas as suas dimensões. Amar é cuidar em todas as suas dimensões.

       
Cuido para que o 11 de outubro jamais se perca do 3 de outubro e amo o 3 de outubro para que o 11 de outubro jamais dele se esqueça.  

            


         



sexta-feira, 23 de setembro de 2011

PASSEATAS

         Pessoas indignadas vão às ruas. Protestam em passeatas alvejando a leniência, para não dizer cumplicidade, do aparato estatal para com a corrupção e a impunidade.

         Na verdade, esgarçaram-se os valores que sustentam a correta convivência humana.

         Hoje as pessoas, sanduíche em uma das mãos, ou copo de café; celular na outra; e sempre indo de um lado para outro não cessam de locomover-se.

         Refugiam-se em bandos, deixam-se hipnotizar pelo fascínio da era tecnológica, instrumentalizam-se para celebrar o vazio travestido em slogans vários do politicamente correto.

         Pessoas indignadas vão às ruas. Protestam em passeatas contra as mortes em sequência no trânsito, e pedem paz.

         Na verdade, sucumbimos nós também à voracidade da economia de mercado, que não cessa de produzir e ganhar, e produzir e ganhar, sem freios, e, ainda, aprovamos, com a nossa cotidiana adesão aos noticiários e filmes, exibidos no circuito comercial ou em nossos televisores, que propagam e enaltecem a violência, aprovamos todos a cultura do mais forte, do vencedor a qualquer preço.

         Que pessoas indignadas vão às ruas, e protestem, é salutar exercício da democracia, mas o protesto se esgota em si mesmo, e de nada adianta, se tomado como finalidade única.

         O desafio maior consiste no viver a coerência do que se crê com o que se faz.

         Passo importante é dado quando o próximo, o outro, deixa de ser para mim aquele, o que é, ou está, fora de mim, para ser o meu outro eu, a quem com todo o meu ser, e sem nada esperar, ou cobrar, me ofereço: a verdadeira alteridade só acontece na total doação de si.

         E isso não é nada de extraordinário.

         Acontece, normalmente, no dia a dia, em pequenos, mas profundos, gestos, desde que, em nós, deixemos aflorar a sensibilidade, que nos propicia o crescimento do sentir com ( = simpatia ) para o sentir dentro ( = empatia ). Explico, com fato real, que protagonizei: enquanto em ambiente de espaço médico aguardava atendimento, vi a cena de mulher muito humilde, pessoa dedicada a varrer chão, tendo aferida, por enfermeira, a sua pressão arterial. “Alta”, disse a enfermeira. “Aguarde ali fora, que volto a chamá-la para nova aferição da pressão”. Antes que a mulher saísse, levantei-me, minhas mãos foram para seus braços, amparei-a, e disse-lhe: “Sabe o que é muito bom para baixar a pressão?”. E emendei: “Sorrir. Há quanto tempo você não sorri?”. E ela, creio que agradavelmente surpresa por ver um estranho importar-se com ela, me disse: “Olhe, com a boca, de vez em quando, mas com o coração, faz muito tempo”. Brincando, repliquei: “Sorria, então, porque daqui a um mês eu a consultarei, e quero senti-la feliz.” Nos abraçamos, e sorrimos, com simpatia e empatia.

         Atualmente, na minha vida, tenho valorizado e, por isso, multiplicado esse instantes, quiçá como passeata pessoal, mas se todos nós, dia a dia, também nos envolvêssemos com essa modalidade de passeata, algo me diz que os valores esgarçados paulatinamente se recompõem e, em primícias, conhecemos e construímos “a civilização do amor”.

   

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Luz não se extingue

                                                   A Luz não se extingue




         Dedico-me a ler, presentemente, “Luz do Mundo – o Papa, a Igreja e os sinais dos tempos”, livro que, como está mesmo posto no seu subtítulo, faz-se em conversa do Papa Bento XVI com o jornalista Peter Seewald.

         Diante dos olhos, esse texto que me deteve em reflexões:

“O homem recai sempre para aquém da fé, torna-se pagão, na acepção mais profunda do termo, toda vez que deseja voltar a ser unicamente ele próprio. E, no entanto, sempre se manifesta de novo a presença divina no homem. Esta é a luta que atravessa a história. Como diz Santo Agostinho: a história do mundo é a luta entre dois tipos de amor. O amor por si, levado até à destruição do mundo, e o amor pelo próximo, levado até à renúncia de si. Essa luta, que sempre se pode constatar, está acontecendo também hoje.”
( pg. 81 ).

         Prestes a iniciar o percurso de meus 65 anos de vida, e certamente já vivenciando a novidade de ciclo existencial não mais reconhecido na afirmação profissional a que fui, racionalmente, preparado, porque já cumprido – é o que se denomina de aposentadoria – alegro-me e sorrio tão agradavelmente comigo mesmo porque consegui romper com o centralismo do meu próprio eu, do meu eu em si mesmo e, desfazendo-me de minha carreira, que valeu a pena ter sido trilhada no momento em que o foi, deixei-me conduzir por outros caminhos, que agora percorro, nos quais o tempo não é medido linear e quantitativamente, mas é urdido em pausas tantas de convívio, recolhimento, doação e fraternidade.

         Sinto, fortemente, em mim, o ensinamento de São Paulo aos gálatas, quando Jesus afirma: “Foi para a liberdade que eu vos fiz livres” ( Gl , 1 ).

         A liberdade do mundo não liberta, mas escraviza, porque superexaltando o nosso ego tudo faz gravitar, tudo reduz, ao nosso eu, inflado de paixões e desvarios: violentamos, corrompemos e somos corrompidos, mentimos, inebriados na ilusão do poder humano absoluto e invencível.

         A liberdade cristã prepara-nos, ensinando-nos pelas palavras e atitudes de Jesus, para o dom de si ao outro; para o abrir-se e envolver-se também com os assuntos pertinentes ao viver em sociedade para que a edifiquemos justa e solidária; para o estar no mundo, sem ser do mundo, ou seja, faz-nos transcender ( = movimentar-se para o alto ), porque a transcendência é, em nós, sinal eloqüente da filiação divina.

        
         “Voltando a ser unicamente ele próprio”, para relembrarmos as palavras de Bento XVI transcritas no início deste artigo, o ser humano despe-se do seu ethos espiritual e, literalmente, decai ainda que, obstinada e avidamente, busque, por todas as formas, mascarar essa decadência.

         Eis porque tanta escuridão no mundo, mas, e por mais assustadora que seja, insuficiente é a escuridão para impedir que a Luz se extinga desde que abramos nosso ser para recebê-la e irradiá-la, assim vivendo a verdadeira liberdade.


        
                   
     

sexta-feira, 10 de junho de 2011

VASCO DA GAMA






              Rio de Janeiro, bairro da Tijuca, 6 anos de idade e a voz do meu avô, Domingos Joaquim de Azevedo Lemos, português firme e discreto: “Ó menino, vamos a São Januário a vibrar com o Vasco da Gama.”

              Lá ia eu, todo feliz, e São Januário atmosfera de puro encanto. Até hoje, neste instante em que escrevo, sensação de encanto do gramado, da arquibancada, do foguetório, da torcida, do grito e dos pulos de gol, tantas e tantas vezes vivido e repetido.

              Ser vascaíno é ser vibração e empenho.

              Vibração e empenho que encaram e se opõem à discriminação racial, e de classe.

              Quebrar tabus e ser campeão com time de irmãos negros e operários.

              Vibração e empenho que enaltecem a pessoa do atleta, o protagonista maior do clube.

              Quebrar tabus e eleger Presidente do Vasco da Gama, Roberto Dinamite ídolo maior do futebol.

              Vibração e empenho que nos momentos difíceis que nos conduziram à mentalidade truculenta e arbitrária, ao descalabro administrativo-financeiro, ao comprometimento do que é, verdadeiramente, ser agremiação esportiva, não nos permitiu sucumbir, fez-nos acreditar, perseverar, porque o “Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do amor” e, por isso, “o sentimento não pode parar”, nunca.

              Brasília, bairro do Lago Norte, 64 anos de idade, e a voz do meu avô, Domingos Joaquim de Azevedo Lemos, português firme e discreto, não mais audível, mas agora no mais íntimo espaço do meu coração: “Ó menino, vamos a São Januário a vibrar com o Vasco da Gama.”

              Eu vou, sim, meu vovô. E um dia, por certo, e por toda a eternidade, nós dois e multidão incalculável de vascaínas e vascaínos, aí de cima, faremos parte da torcida: “Vascaínos no Paraíso, sempre”.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

24 horas, só por hoje, funciona

         “24 horas, só por hoje, funciona” não significa, em absoluto, novo “slogan” para que nos enquadremos, todos, tão ao gosto da mídia novelesca, no comportamento mundano de curtir, desvairadamente, a vida, gozando-a, a nosso bel prazer, com quem quisermos, quando quisermos, como quisermos.

         “24 horas, só por hoje, funciona” é expressão forte, quase prece, de minhas irmãs, de meus irmãos, e eu com elas e com eles, todos, na luta pessoal, e comunitária, contra a escravidão da droga e da dependência ao álcool.

         “24 horas, só por hoje, funciona” é a afirmação de que nós não nos bastamos; de que é preciso reconhecer limites, cuja prova mais eloqüente é a certeza de que nosso viver, no mundo, tem fim inexorável.

         “24 horas, só por hoje, funciona” se quebramos o preconceito e, então, acolhemos a irmã e o irmão dependente, como a nós mesmos, porque somos todos dependentes, de alguém, ou de algo, sempre. A questão está em primeiro isso admitir e, assim exposta a nossa vulnerabilidade, buscarmos socorro e irmos socorrer na oferta sincera de nossas misérias e de nossas alegrias.

         “24 horas, só por hoje funciona”, portanto, é a experiência da libertação pessoal e comunitária, porque ninguém se liberta por si só, ou para si só. O libertar-se, necessariamente, o é libertar-se com, para a vivência do outro: a alteridade. Deus é comunhão trinitária, não é solidão. Nós, que somos de filiação divina, porque tudo nos foi revelado por Jesus ( Evangelho de S. João, capítulo 10, versículo 15 ), somos libertados para o amor, porque o verdadeiro amor é oferta incondicional de si para o próximo. Ou como diz, magnificamente, o padre José Comblin, no seu livro “A Liberdade Cristã”, de leitura obrigatória para quem quer que almeje aprofundamento na fé:

“Jesus não se propõe agir sobre a lei ou as estruturas nem por meio da violência, nem por meio da persuasão ou do prestígio, nem pela entrada política, nem pela entrada ideológica, nem pela força das armas, nem pela força das idéias. A ação de Jesus consiste em uma abertura às pessoas. Agir é, para Jesus, ir ao encontro do próximo, fazer com que o próximo exista, reconhecer a presença dele, fazer com que entre no mundo como pessoa ativa. Agir é, por meio desse encontro ativo, tirar a pessoa do próximo da inexistência, da marginalização.
( pg. 126, grifei. )

         “24 horas, só por hoje, funciona”.              

segunda-feira, 2 de maio de 2011

União entre pessoas do mesmo sexo: é família?






    Tem-se diante tema fundamental que diz com a pretensão da Procuradoria Geral da República, originariamente versada em arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF nº 178 -, mas que por decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal, que restou irrecorrida, transmudou-se em ação direta de inconstitucionalidade – ADI nº 4277 - do artigo 1723, do Código Civil ( decisão datada de 23 de julho de 2009), que estabelece a definição legal de família.

     Idêntica pretensão, em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF nº 132 –, foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro.

     Assim está a redação do impugnado artigo 1723, do Código Civil:

Art. 1723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

     Essa redação, sem a menor dúvida, e como se passa a demonstrar, põe-se em plena coerência com a definição legal de família, tratada no âmbito constitucional.

     Com efeito, a Constituição Federal apresenta no Título VIII, que dispõe sobre a Ordem Social, específico capítulo, o Capítulo VII, aberto por preceitos normativos alusivos à família.

    Principia a Constituição Federal por assentar, claramente, que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. ( art. 226, caput, grifei ).

    Prossegue o tema sendo versado nos oito  ( 8 ) parágrafos do art. 226, ficando estabelecido: o casamento civil como expressão própria e celebrativa da família ( §§ 1º e 2º ); a ampliação do conceito de família ( §§ 3º e 4º ); a posição dos cônjuges na instituição familiar ( § 5º ); a dissolução familiar ( § 6º ); o planejamento familiar (§ 7º ) e a família como espaço propício à paz ( § 8 ).

    Marcando, de plano, o casamento civil como expressão própria e celebrativa da família, a Constituição federal na união conjugal da mulher e do homem e do homem e da mulher define o vínculo familiar.

    Essa afirmação tanto mais é reforçada quando, no § 3º, do art. 226, com o qual guarda total sintonia o artigo 1723 do Código Civil, o conceito de família define-se, também,  na “... união estável entre o homem e a mulher”, que há de ser protegida pelo Estado e, ao legislador, indicada é a tarefa de “facilitar sua conversão em casamento”.

    Também o caráter monoparental, quando desfeito e abandonado o vínculo, e desde que presente descendência sob guarda e tutela da mulher e do homem, que remanesceu, família é. Tal o límpido sentido do § 4º, do art. 226, verbis:

§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,


     Na permanência do vínculo familiar, o § 5º, do art. 222, não privilegia a mulher, ou o homem. Textual, coloca-os em plano de perfeita igualdade. De se ler: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

    Por fim, o § 7º, do art. 226, forte nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, prescreve: “... o planejamento familiar é da livre decisão do casal”. Tem-se, pois, que a procriação insere-se no âmbito familiar.

    Ora, diante de quadro normativo tão cristalino, é manifesto que a união homossexual não está contemplada como família, no texto da Constituição Federal.

    Não colhe dizer-se que a Constituição Federal nada disse sobre a união civil dos homossexuais; ou que essa união está implicitamente reconhecida no artigo e parágrafos que se vem de examinar; ou que é por aplicação analógica que se infere a união homossexual como família.

    Repito: a Constituição Federal, sem subterfúgios ou dúvidas, bem assentou que: a família é a base da sociedade; o casamento da mulher com o homem e do homem com a mulher é a expressão própria e celebrativa da família; a união estável da mulher com o homem e do homem com a mulher é família; mulher e homem, homem e mulher, no vinculo familiar, estão em total plano de igualdade; e a mulher e o homem, o homem e a mulher são plenamente livres na decisão sobre a filiação inerente ao estado conjugal.

    O texto constitucional – é de se dizer – caminha corretamente na definição do tema.

    Assim como a opção de vida por ser só – ser solteiro - família não é, também a opção de vida por ser homossexual, família não é.

    Família não é, nessas situações – ser solteiro e ser homossexual -, porque o conceito de família identifica-se na complementaridade interpessoal, que só pode acontecer no diferente - não se complementa o que é só e o que é idêntico - portanto no hetero, assim como a geração da vida só pode acontecer na diferença sexual, na heterossexualidade, portanto, dado o indeclinável componente físico-biológico-psíquico necessariamente presente nessa específica e própria realidade da heterossexualidade.

    A opção pela homossexualidade há de ser respeitada e a pessoa homossexual ter, também, respeitada a sua dignidade humana.

    Todos os direitos de caráter patrimonial decorrentes do viver em comum – alimentos, sucessórios, percepção de benefícios previdenciários, declaração conjunta para efeitos de imposto de renda, etc. – hão de ser conferidos à pessoa homossexual.

    Nesse elenco, por certo, não se insere o direito à adoção, ou qualquer outro que se constitua em matéria exclusiva e, de todo, pertinente à instituição familiar.

     Passo a pontuar as razões que inspiraram o posicionamento da autora, a il. Subprocuradora-geral, Dra.Deborah Pereira.

     Rememoro, antes de fazê-lo, que o artigo 1565 do Código Civil, em perfeita sintonia com o cogitado artigo 1723, é textual no referir-se ao homem e à mulher como sustentáculos da família, verbis:

Art. 1565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”
( grifei ).

  

    Suscita desconformidade do impugnado artigo 1723 do Código Civil com o princípio constitucional da igualdade ( itens 22 a 37 da petição inicial na ADPF nº 132 ).

    Ora, definir-se família quer na celebração matrimonial da mulher e do homem, quer na união estável da mulher e do homem, desse conceito jurídico excluindo-se a relação homem-homem e mulher-mulher não significa estabelecer-se preconceito de qualquer ordem, sacramentar-se qualquer discriminação. Tanto não significa porque quer o legislador constituinte, quer o legislador ordinário, em quadro de absoluta coerência, ambos fixaram na diversidade sexual, ensejadora da complementaridade estrutural entre o ser fêmea e o ser macho e motivadora da perpetuação das gerações humanas, o dado de identificação do conceito de família.

    Impossível, resta claro, dizer-se de ofensa ao princípio da isonomia.

    A Autora alinha série de argumentos – seriam pecaminosas as relações homossexuais; seriam contra a natureza das coisas; seriam estéreis; seriam estímulo a práticas sexuais desviantes; seriam estimulantes à conversão da heterossexualidade em homossexualidade; seriam ofensivas à moralidade dominante ( itens 38 a 62 ) – em favor da constitucionalidade do artigo 1723, do Código Civil.

    Data maxima venia, toda a fundamentação, que elaboro, nada tem a ver com os pontos acima suscitados.

    Apresenta-se como transgredido o princípio da dignidade da pessoa humana, porque as uniões homossexuais de tudo estariam privadas; alimenta-se cultura homofóbica da sociedade e instrumentaliza-se a pessoa homossexual ( itens 63 a 76 ).

    Está muito claro, e deixado por bem expresso nesse escrito, que o cerne da questão diz com a compatibilidade constitucional do artigo 1723, do Código Civil na compreensão do artigo 226 e §§, da própria Constituição, tema que se restringe à definição jurídica de família como unicamente pertinente ao convívio público, contínuo e duradouro entre a mulher e o homem.

    Está cristalinamente dito que a união homossexual tem, para seus componentes, garantido todos os direitos de índole obrigacional.

    Dizer-se que o conceito de família, e por toda a motivação aqui deduzida, é pertinente à heterossexualidade, e não à homossexualidade, obviamente não alimenta qualquer cultura homofóbica – senão estaria eu, aqui e agora, a assumir ato ilícito – e tampouco estou a instrumentalizar quem quer que seja que se definiu homossexualmente.

    Aborda-se a “ofensa ao direito à liberdade”, desenvolvida nos itens 76 a 83.

    Reconhece a Autora que:

79. “Com efeito, tão óbvia é a importância da livre constituição da família para a realização da pessoa humana que ela nem precisa ser aqui enfatizada. Afinal, é em geral na família que o indivíduo trava as suas relações mais profundas, duradouras e significativas; é nela que ele encontra o suporte espiritual para os seus projetos de vida e o apoio moral e material nos seus momentos de maior dificuldade.”

    Curioso que em passagem anterior de sua petição, precisamente no item 52, a Autora, valendo-se de palavras do Professor Gustavo Tepedino diz:

“Hoje, afirma-se que a família não é protegida pela Constituição como um fim em si, mas antes como um meio, que é tutelado na medida em que permite que cada um de seus integrantes se realize como pessoa, num ambiente de comunhão, suporte mútuo e afetividade.”
( grifei ).

    Posiciono-me pela essencialidade da família à formação integral da pessoa eis porque, e como é explícita a nossa Constituição, à formação dessa integralidade importa o conhecer e o conviver com a mãe e com o pai, com a mulher e com o homem.

    A Autora deduz rápido arrazoado – itens 84 a 91 – a cogitar de desrespeito à segurança jurídica porque temas sobre partilha de bens, herança, alimentos, fiança e alienação de bens do patrimônio comum quedam indefinidos, inclusive ante terceiros.

    Data maxima venia, esses temas inserem-se no âmbito patrimonial e obrigacional e, como aqui já ressaltado, não são afetados pela afirmação da constitucionalidade do artigo 1723, do Código Civil.

    A Autora contempla, ainda, “a interpretação sistemática e teleológica do art. 226, § 3º, da Constituição” ( itens 92 a 112 ).

    Considera válido recorrer-se à interpretação analógica, fazendo-o com suporte no pensamento da Professora Maria Celina Bodin de Moraes em transcrição que assim faz:

“O raciocínio implícito a este posicionamento pode ser inserido entre aqueles que compõem a chamada teoria da norma geral exclusiva segundo a qual, resumidamente, uma norma, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os demais comportamentos. Como se salientou em doutrina, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos, há uma outra norma geral ( denominada inclusiva ), cuja característica é regular os casos não previstos na norma, desde que semelhantes e de maneira idêntica. De modo que, frente a uma lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma geral exclusiva, usando o argumento a contrario sensu, ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do argumento a simili ou analógico.”
( transcrição, como feita, no item 99, grifei ).

     Essa transcrição não tem adequação para o disposto no artigo 1723, do Código Civil.

    O artigo 1723, do Código Civil, no que enuncia, e como enuncia, além de traçar a previsão de situação certa, identificada em casos próprios – daí não se pode falar de “casos não previstos na norma” – não apresenta qualquer lacuna, por óbvio, eis que  textual, objetiva e claramente, e em perfeita sintonia com o mandamento constitucional expresso no § 3º, do artigo 226, insisto, define a união estável como a que acontece “entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

    A leitura insofismável desse preceito é: união estável entre homem e mulher é família.

    Impossível, data maxima venia, querer-se manejar com a analogia, que é procedimento integrativo ao que está omisso na dicção normativa, em quadro legal absolutamente completo e integral.

    Eis porque, e diante de realidade em tudo comparável com o caso presente, o Conselho Constitucional da França, em recentíssima decisão, denegou o pleito de organizações homossexuais que buscou estabelecer a inconstitucionalidade de preceitos do Código Civil francês no que definem família como a união da mulher e do homem, e não do homem com o homem e da mulher com a mulher.

    O Conselho Constitucional considerou não haver qualquer discriminação, a propósito, e que é da alçada do Parlamento adotar qualquer modificação normativa, nesse sentido, consoante decisão assumida aos 27 de janeiro do corrente ano, e publicada no dia 28, imediato, no pleito formulado por Mmes. Corinne C e Sophie H, decisão essa registrada sob o nº 2010-92 QPC e que, assim se concluiu:

                                      DÉCIDE:

    Article 1er. – Le dernier alínea de l,article 75 et l,article 144 du code civil sont conformes à la Constitution.

    Article 2. – La présente décision sera publiée au Journal officiel de la Republique française et notifiée dans les conditions prévues à l,article 23-11 de l,ordonnance du 7 novembre 1958 susvisée.

    Na verdade, quando o texto normativo, tal o disposto no artigo 1723, do Código Civil,  é textual, objetivo e claro, nunca lacunoso, e por tudo o que até aqui se disse, a modificação que se queira no texto não cabe ao Poder Judiciário encetá-la, mas ao Poder Legislativo, como bem assentou o Conselho Constitucional da França.
             

   

         

sexta-feira, 29 de abril de 2011

JOÃO PAULO II

    Não me atrevo a falar de João Paulo II. É missão muito além para o que estou capacitado

        Falo, sim, do seu significado para a minha vida de cristão.

         Colho de João Paulo II dois ensinamentos, que os tenho como guias perenes.

         O primeiro, suas próprias palavras, síntese verdadeira de todo o seu agir pontifício, ditas quando justamente inaugurava, a partir de Roma, sua missão: “não tenham medo”.

         Verdadeiramente, o medo nos aprisiona em nós mesmos; fecha-nos num circuito introspectivo da falsa segurança.

         João Paulo II pôs-se a caminho, peregrinou incessantemente, mostrou-se ao mundo, a todos nós, como aquele que acolhe e ensina.

         Jesus é o acolhimento e o ensinamento.

         Isso está tão claro no chamado “discurso de despedida” de Jesus para seus apóstolos, como S. João narra-nos em seu Evangelho, no capítulo 16, versículo 33:

“Eu vos disse estas coisas para que em mim, tenhais a paz. No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo”.
( grifei ).

         Aí está: o ensinamento de Jesus é para que o conheçamos, intimamente, pronto que está, sempre, a nos acolher, e assim vivenciamos a paz: “... para que em mim, tenhais a paz”.

         Tudo porque o mundo, ou no mundo, não é, ou não está, a solução definitiva do nosso existir. Portanto, não há o que temer quando não centramos nossa vida, no mundo.

         O “tende coragem! Eu venci o mundo”, ou para dizermos com João Paulo II – “não tenham medo” – significa que se damos total adesão e, então, agimos na conformidade do Evangelho de Jesus, força alguma material pode nos deter e o nosso testemunho é invencível, como o é o de João Paulo II para todos nós católicos.

         O segundo ensinamento de João Paulo II atinge em cheio os tempos atuais como reflexo da modernidade iluminista, tanto que hoje já se fala da pós-modernidade. Todavia, tanto a modernidade, como a pós-modernidade, ambas apresentam fundamento comum: o absoluto da razão humana, que tudo pode; é ilimitada.

         Isso deita raízes no ensinamento de René Descartes ao enunciar o seu célebre: “cogito, ergo sum” ( = penso, logo existo ).

         Portanto, a existência atrela-se, faz-se subserviente da razão, do pensar da mulher e do homem. Deus não conta, não é necessário porque à mulher e ao homem basta a sua produção racional.

         João Paulo II, baseando-se em São Tomás de Aquino, ensina-nos o contrário: “porque existo, penso”.

         E o existir, mesmo por sua provisoriedade e “aflições”, conduz-nos a Deus.

         Sim, o deixar-se atrair por Deus, em Jesus Cristo, sob o sopro permanente do Espírito Santo, faz-nos vencer o mundo, ou seja, nele estar, nele atuar, mas além dele ir, para poder modificá-lo.

         Ou como magnificamente diz João Paulo II:

“Com efeito, o fato de querer sufocar a voz de Deus é bastante programado: muitos fazem de tudo para que não se ouça a Sua voz, e seja ouvida somente a voz do homem, que não tem nada a oferecer além da realidade terrena. E por vezes essa oferta traz consigo a destruição em proporções cósmicas. Não é essa a história trágica do nosso século?
 ( leia-se: Messori, Vitório – “Cruzando o limiar da esperança” – editora Francisco Alves, pag. 131 ).               
      

                  

                 

sexta-feira, 22 de abril de 2011

RESSURREIÇÃO

 Diante de mim, a face e o sorriso tão harmônicos na serenidade e firmeza da Irmã Dorothy Mae Stang, covardemente assassinada porque ousou dedicar-se a resgatar irmãs e irmãos da exploração cotidiana, estimulando-os a traçar o caminho comum, a construir a própria história, a viver com dignidade.

              Angustio-me porque passados já seis ( 6 ) anos, o mandante de seu hediondo homicídio, cuja alcunha é “Taradão”, caminha livre, sobrepairando à justiça dos homens.

              Meus olhos vão e voltam, no percurso incessante dos dias, às cinco ( 5 ) frases, extraídas do Salmo nº 1, postas abaixo da face e do sorriso de Dorothy Mae Stang:

“Feliz quem confia no Senhor!
Ela é como uma árvore
Plantada junto ao rio
Suas folhas são sempre verdes
Ela dá seus frutos no tempo certo.”

              Meu pensamento escapa, e deparo-me com o desvairio de Realengo: vidas juvenis abortadas.

              Tanta solidão e desencanto nas mãos assassinas.

              Tanto cinismo e frieza nos que, magoados e feridos de outrora, escondem-se de si mesmos e, portanto, da própria verdade, homiziando-se no tudo relativizar, até a própria constituição natural, sob o viés manipulador do mero sentimento, transitório e fugaz, afeiçoado como razão de ser.

              Por essa vida vivida, tenho dito sempre que: “a única certeza que tenho é a morte; não sei o que me reserva o dia de amanhã.”

              Considero por essa vida, que vivo, e por Dorothy Mae Stang, pelos adolescentes de Realengo, e por tantas e tantos, que “a única certeza que tenho, é a vida.”

              A morte é só um episódio e, porque episódio, jamais definitivo, ainda que muito sofrido.

              Afinal: “a árvore plantada à beira de um riacho sempre dá fruto no devido tempo, e suas folhas nunca murcham.”

              Isso é a ressurreição: não estancar na aridez da decepção; não temer testemunhar valores diante de quem quer que os queira travesti-los; experimentar no finito, o infinito.

terça-feira, 15 de março de 2011

QUARESMA

  Pausa. Instante para se fazer seqüência de momentos a nos acolher a nós mesmos, e nos questionarmos: estou iludido instrumento, que me faz sentir senhor dos seres e das coisas nos espaços profissionais, transformados em exaltação do ego impessoal e insensível, e nos espaços comerciais, travestidos de catedrais?

         As catástrofes, que antes assim eram ditas, não só pela extensão do dano causado, mas por seu ineditismo, hoje se repetem em paisagens corriqueiras, que nos causam episódico espanto e espasmos de solidariedade.

         Estamos enquadrados em sistemas, robotizados no cumprir, funcionalmente, papéis midiáticos em blocos-bandos que se notabilizam por agigantarem-se, a cada ano, na quantificação frenética dos que pulam, e urinam.

         A quaresma é pausa a que nos olhemos, e reconheçamos que não somos, unicamente, massa corpórea. Também não somos, somente, razão desenfreada.

         Corpo e razão não se bastam.

         Terminam, e em cinzas.

         A quaresma nos diz que não somos seres do aqui, e do agora.

         Somos seres do aqui, do agora e do sempre. A concepção da vida humana marca a certeza do sempre.

         Nosso existir não é para o que é vão, não é para o que é ilusório.

         A liberdade é a expressão mais eloqüente de nossa filiação espiritual ao Deus-Amor.

         Com efeito, o ser livre não se enquadra; não se dissolve na multidão; não se reduz à visão mercantilista de que tudo tem seu preço; não se instrumentaliza.

         O ser livre liberta-se de si próprio e realiza o encontro no outro, como o outro-eu, e não o outro distante de mim. Por isso, o ser livre cuida. Cuida da vida; da família; da amizade; da promoção de quem quer que esteja na posição mais fraca no contexto social; cuida da natureza; cuida...

         Que a quaresma nos seja o tempo propício à descoberta da dimensão inesgotável do cuidar porque: 

“Também a própria criação espera ser libertada da escravidão da corrupção em vista da liberdade, que é a glória dos filhos de Deus.”
(Epístola de S. Paulo aos romanos – 8, 22).