domingo, 28 de novembro de 2010

Rio de Janeiro

                 Eu sou carioca, tijucano, vascaíno e salgueiro.

                 Desde sempre há, em mim, mais do que um sentimento, porque o sentimento é sempre resposta a estímulos fora de nós, traduzidos no cotidiano acontecer, há em mim o conhecer-se e reconhecer-se filho dessa terra malandra, que significa dar bom dia para todo o mundo; caminhar no ritmo vai e vem das ondas do mar, bater o papo sério-descontraído, de preferência no bar da esquina; deixar-se seduzir e seduzir tudo o que é verdadeiramente belo.

                 A desgraça de décadas de espúrio conluio entre o poder político e o poder bandido, a tal ponto tão íntimo que não mais se percebe um ou outro, porque ambos se fundiram no rosto perverso da corrupção em todos os sentidos, entristeceu o carioca, brutalizando-o no medo-pânico, ou no deboche da insensibilidade.

                 "Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe".

                 Se essa frase compreende a transitoriedade de tudo o que diz respeito ao mundo material, ela significa, também, que tudo é possível de acontecer, porque o ser humano não é fruto do imobilismo predeterminado, mas possibilidade infinita desde que se abra, exista, no precioso ensinamento de Emmanuel Mounier:

                 "A pessoa é uma interioridade que tem necessidade de uma exterioridade. A palavra existir indica, pelo seu prefixo, que ser é expandir-se, exprimir-se." ( O personalismo - pg. 66 ).

                 O Rio de Janeiro existe!

                 Existe na cidadania que, feita governo, rompe o conluio fétido, e com vontade e ação da boa política comanda a necessária reação ao desonesto conformismo do "estando assim as coisas, que assim fiquem, e que assim delas eu me locuplete."

                 Existe na cidadania que, feita servidores públicos da segurança pública, policiais e militares, realiza, concretamente, o ideal de honestidade e amor à causa pública, nobremente valorizando o significado das instituições e serviços a que pertencem, e se dedicam.

                 Existe na cidadania que, feita crianças, jovens, adultos, não os faz passivos espectadores, mas estimula-os a externar apoio real e a envolverem-se, corajosamente, na construção desse novo tempo, que se quer permanente e, por tal razão, há de exigir paciência, persistência e firmeza.

                 O Rio de Janeiro existe; eu existo nele; nós não existimos sem ele!
                 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aprendizado

         Se não nos deixamos tomar pela irracionalidade dos comportamentos extremados – e aqui já apresento claro aprendizado – em tudo o que nos acontece sempre algo de bom existe.

         O processo eleitoral, para esse momento, está encerrado.

         De pronto, saudemos a presença do processo eleitoral em si como instrumento eficaz na perene construção da Democracia.

         Ser democrata é abrir-se ao diálogo, por-se em atitude de escuta e ponderação, saber que não há ponto final na construção da sociedade humana porque o incessante movimento das gerações, como o da própria vida, é contínuo descobrir-se.

         Eis porque a Democracia é o melhor de todos os regimes políticos: ela não tem a pretensão de concluir-se, antes é eterno afazer da mulher e do homem.

         Eu disse, linhas atrás, que “o processo eleitoral em si é instrumento eficaz na perene construção da Democracia”. Repito: é instrumento, portanto não é o bastante.

O grande desafio, a nós, brasileiras e brasileiros, é darmos o passo seguinte, fundamental, qual seja: como povo consciente avançarmos da mera Democracia representativa – expressão eloqüente no ato de votar – para a Democracia participativa na qual:

a)      Se elegemos, não abdicamos do controle efetivo, concreto, diuturno dos atos dos eleitos, mobilizando-nos a crítica rotineira, positiva ou negativa, do que estão a fazer, ou como estão a comportar-se;
b)      Se elegemos, não abdicamos do nosso protagonismo e, portanto, e ativamente, nos envolvemos, decidida e decisivamente, na provocação – expressão maior da Democracia participativa – de leis de iniciativa popular e de referendo;
c)      Se elegemos, não abdicamos de fazê-lo como expressão clara de posicionamento meditado, consciente, analítico, na conformidade do apresentar os valores políticos pelos quais vivemos e nos pautamos;

Com efeito, como magnificamente lê-se no Documento da CNBB, nº 91, intitulado: “Por uma reforma do Estado com participação democrática”:

“A ampliação da democracia formal parte das necessidades dos homens e mulheres que almejam ser mais que objeto.A construção da Democracia Participativa parte do pressuposto de que é necessário ultrapassar o individualismo e tomar o rumo da solidariedade que deve, pois, apelar à consciência dos cidadãos, respeitando sua autonomia e chamando-os a contribuir para a construção do bem comum.” ( nº 48 – pg. 28 ).

Quanto à mass-midia, a imprensa escrita e televisada, deve, como todas as instituições e serviços que compõem a Democracia, cultivar a equilibrada recepção da análise crítica, que sobre seu conduzir-se se faça, até mesmo porque na verdadeira Democracia não há pessoa, instituição ou serviço indene, ou que se ponha acima, de qualquer juízo crítico, pena cairmos no mais obscuro autoritarismo.

Lamentável, no processo eleitoral que estamos a considerar, o comportamento da chamada grande imprensa na difusão de “escândalos” que, por certo, dentro em breves dias não mais atiçarão as demandas noticiosas, que engendra, e mais lamentável, ainda, o sensacionalismo destituído de qualquer compromisso com a verdade. Aqui, exemplifico com duas bombásticas manchetes dos jornais Correio Braziliense e O Globo, ambas produzidas às vésperas da votação no 2º turno, na sexta-feira 29 de outubro, a dizer, respectivamente: “Até o Papa dá palpite na eleição brasileira” e “Pressão de bispos dá certo e Papa interfere na eleição”.

O manchetismo irresponsável é patente.

Tenho em mãos a íntegra do pronunciamento do Papa Bento XVI aos bispos do Regional Nordeste V, motivado pela visita ad limina apostolorum.

O pronunciamento, que perfaz duas ( 2 ) páginas, centra-se, como mesmo diz o Papa:

“...hoje, gostaria de falar-vos de como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana com o Evangelho, ensina o homem a sua dignidade de filho de Deus e a sua vocação à união com todos os homens, das quais decorrem as exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina.”

         Destaca que “o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos”, reservando a bispos e clero posicionamento mediato, salvo “quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas ( cf GS, 76 ).”

         E, fundamentando, disse o Papa:

“Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até a morte natural ( cf. Christisfideles laici, 38 ). Além disso no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático – que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana – é atraiçoado nas suas bases ( cf. Evangelium vitae, 74 ). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambigüidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo ( ibidem, 82 ).”

         Finalizando seu raciocínio, no tópico, o Papa Bento XVI indica, cristalinamente, a fonte de onde promana o posicionamento sócio-político do cristão:

“Além disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e sócio-político de um modo unitário e coerente, é necessária – como vos disse em Aparecida – uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o Compêndio da Doutrina Social da Igreja ( Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 3 ). Isto significa também que em determinadas ocasiões os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum ( cf. GS, 75 ).

          Como de todas essas palavras do Papa Bento XVI concluir-se que S. Santidade tenha adotado posição político-partidária ao ensejo da definição do quadro eleitoral em nosso País?

         Eis o exemplo clássico de manipulação da notícia que o jornalismo, autenticamente democrático, por certo repudia.

         Aí está, e para reiterar, finalizando: o tempo que se abre é de aprendizado.

         Que possamos todos, sem exceção, pessoas, instituições, serviços, na Democracia, voltarmo-nos para o aprendizado, e aqui dirigindo-me a meus irmãos leigos, religiosos, padres e bispos da fé católica, e também a meus irmãos de outras crenças, ou de crença alguma, por quê não aceitarmos o convite do Papa Bento XVI a que conheçamos, para concordar ou discordar, o magistério social da Igreja, conhecendo o Compêndio de sua Doutrina Social?