terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Paz

          Ainda vivíamos, nós brasileiras e brasileiros, os tempos obscuros e difíceis do autoritarismo, ainda que sinais perceptíveis indicassem seus estertores. Um desses sinais era excelente - o que é raro - programa de televisão, chamado "Abertura", no qual temas de elevado valor eram discutidos por pessoas de, igualmente, elevado valor.

          Assistia eu uma noite, debate sobre a paz. Lembro-me bem que Darcy Ribeiro, provocativo, dirigiu-se a Alceu de Amoroso Lima, indagando-lhe, de plano: "Alceu, o que é a paz?". Sereno, o "Tristão de Ataíde", alcunha que se dera Alceu de Amoroso Lima, eminente pensador, respondeu-lhe, firme e suavemente: "Darcy, a paz é o equilíbrio no movimento".

          Resposta em frase simples - "a paz é o equilíbrio no movimento " -, mas de profunda sabedoria, guia para nossas vidas.

          Com efeito, a paz não é e, portanto, não se experimenta, assumindo-se postura de braços cruzados, de alheiamento, de afastamento, de fuga do mundo e das realidades que o constituem, ou neles estão: a paz não é estática ausência.

         A paz é dinâmica - movimento, ensina-nos Alceu - mas que transcende o próprio movimento porque, alcançando o equilíbrio, nos equilibra, como pessoa, nos nossos três componentes - o espiritual, o racional e o material -, e como ser vivente em nossa relação com o mundo.

         O Papa Bento XVI, em sua Mensagem para este 1º de janeiro de 2011, que a Igreja sempre celebra como o Dia Mundial da Paz, o dia de abertura do calendário anual, com tanta propriedade diz, na conclusão da Mensagem:
"A paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projeto a realizar, nunca totalmente cumprido. Uma sociedade reconciliada com Deus está mais perto da paz, que não é simples ausência de guerra, nem mero fruto do predomínio militar ou econômico, e menos ainda de astúcias enganadoras ou de hábeis manipulações. Pelo contrário, a paz é o resultado de um processo de purificação e elevação cultural, moral e espiritual de cada pessoa e povo, no qual a dignidade humana é plenamente respeitada. Convido todos aqueles que desejarem tornar-se obreiros da paz e sobretudo os jovens a prestarem ouvidos à própria voz interior, para encontrar em Deus a referência estável para a conquista de uma liberdade autêntica, a força inesgotável para orientar o mundo com um espírito novo, capaz de não repetir os erros do passado. Como ensina o Servo de Deus Papa Paulo VI, a cuja sabedoria e clarividência se deve a instituição do Dia Mundial da Paz, é preciso, antes de mais nada, proporcionar à Paz outras armas, que não aquelas que se destinam a matar e a exterminar a humanidade".

          Com efeito, o fechamento da mulher e do homem sobre si mesmos, ilhados no solitário egocentrismo, impele-nos ao delírio do poder, do prazer e do possuir. Inebriamo-nos pelo ter, em demasia e sem fim. Enganamo-nos, com artifícios e máscaras, no existir pelo existir, e nos consideramos senhoras e senhores da vida e da morte.

          Eis porém que leio, em outro tópico da Mensagem, a que acima aludi, valioso ensinamento:
"Sem o reconhecimento do próprio ser espiritual, sem a abertura ao transcendente, a pessoa humana retrai-se sobre si mesma, não consegue encontrar respostas para as perguntas do seu coração sobre o sentido da vida e dotar-se de valores e princípios éticos duradouros, nem consegue sequer experimentar uma liberdade autêntica e desenvolver uma sociedade justa."

          "A paz é o equilíbrio no movimento" e o equilíbrio não se concilia no curvar-se aos modismos fugazes, porque o equilíbrio não se relativiza. O equilíbrio advem-nos da adesão a verdades objetivamente presentes em todos nós, mulheres e homens, e em todos os tempos.

          Viver em paz é descobrí-las - as verdades objetivamente presentes em todos nós, mulheres e homens, e em todos os tempos - na contingência histórica, para realizá-las em nossa história, porque, e aqui encerro estas meditações escritas com mais outra preciosa orientação do Papa Bento XVI, em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz:
"Uma liberdade sem relação não é liberdade perfeita. Também a liberdade religiosa não se esgota na dimensão individual, mas realiza-se na própria comunidade e na sociedade, coerentemente com o ser relacional da pessoa e com a natureza pública da religião. O relacionamento é um componente decisivo da liberdade religiosa que impele as comunidades dos crentes a praticarem a solidariedade em prol do bem comum. Cada pessoa permanece única e irrepetível e, ao mesmo tempo, completa-se e realiza-se plenamente nesta dimensão comunitária.

                                                                                    Paz e Bem!
 



         
 
  
    

Nenhum comentário: